A rapariga com olhos de caleidoscópio
SOU fã de Sérgio Conceição. Melhor dizendo: sou fã da forma como o treinador do FC Porto comunica. Melhor ainda: sou fã da forma como SC comunica em 90 por cento das vezes em que fala. Claro que todos nós, treinadores, jogadores, dirigentes ou jornalistas, por exemplo, caímos por vezes na franja dos 10 por cento. É o caso de Sérgio Conceição. Ou Jorge Jesus. Ou Abel Ferreira. Ou Rui Vitória. Ou Mourinho. Ou Guardiola. Ou Klopp. Ou qualquer outro. Mas SC é genuíno, sincero e interessante. Perde as estribeiras de vez em quando? Sim, perde. Contradiz-se nalgumas coisas que diz? Sim, sem dúvida. Poderia ter melhor controlo das emoções? Sim, evidentemente. Mas explica as coisas. Elucida-nos. Desvenda o que desconhecemos. É a antítese daquilo que era Rui Vitória. A forma do ex-treinador do Benfica comunicar era enfadonha, desinteressante e nem sempre muito genuína. Em 90 por cento dos casos, claro. Quiseram crucificar Sérgio Conceição por (alegadamente) não ter cumprimentado João Félix no final do FC Porto-Benfica. Não me parece que tenha sido assim. Não cumprimentar é alguém, de frente para nós, esticar a mão na nossa direção e nós recusarmos o aperto. Não foi o caso.
SOU também fã de Bruno Lage. Melhor dizendo: sou fã da forma como o treinador do Benfica comunica. Melhor ainda: sou fã da forma como BL comunica em 99 por cento das vezes em que fala. Não puxa dos galões por levar 9 triunfos de rajada na Liga. Nem por ter marcado 35 golos nesses 9 jogos. Ou por ter recuperado 9 pontos ao FC Porto, 5 ao SC Braga e 12 ao Sporting. Nem sequer por ter lançado João Félix como titular absoluto, por ter recuperado Samaris e Gabriel ou não ter tido receio de apostar em Florentino, Ferro ou Jota. Tudo em pouco mais de dois meses. Bruno Lage deixa transparecer ainda, nesta sua súbita aparição ao mais alto nível, algum incómodo pelo mediatismo repentino. Talvez seja qualquer coisa como: «Sinto-me um pouquinho envergonhado por estar a levar com os holofotes da fama». A verdade é que BL é genuíno, sincero e interessante. Como SC.
NÃO sou grande fã de Marcel Keizer. Melhor dizendo: não sou fã da forma como o treinador do Sporting comunica. Melhor ainda: não sou fã da forma como MK comunica em 99 por cento das vezes em que fala. O discurso do treinador holandês parece a letra de uma música do início de carreira dos Beatles: soa bem em inglês, mas pessimamente em português. Vejamos: «She says she loves you/ and you know that can’t be bad/ yes, she loves you/ and you know you should be glad». É interessante. Agora experimentem traduzir para português: «Ela diz que te ama/e tu sabes que isso não pode ser mau/sim, ela ama-te/e tu sabes que deverias ficar feliz». Aqui, caro leitor, é aguinha com açúcar. Keizer é simpático, mas não tem carisma. Ou deixou de o ter a partir do momento em que começou a perder jogos. Se o Sporting estivesse na frente do campeonato, o treinador holandês poderia entoar qualquer canção dos Beatles que soaria sempre bem. Experimentem: «Picture yourself in a boat on a river/ with tangerine trees and marmalade skies/ somebody calls you, you answer quite slowly/ a girl with kaleidoscope eyes». Soa bem, certo? Eis a tradução: «Imagine-se num barco em cima dum rio/ com árvores de tangerina e céus de marmelada/alguém te chama, você responde bem devagar/ uma rapariga com olhos de caleidoscópio». Entre as duas canções dos Beatles há quatro anos pelo meio (1963-1967). Talvez seja o tempo que o Sporting necessita para se reafirmar como candidato ao título.