A (in)justiça no futebol
Fernando Madureira, o Super Dragão, está castigado, mas liderou claque do FC Porto em Vizela. Neste filme, personagens a mais
L I e não acreditei. Reli e ainda não acredito. O facto de estar na Coreia do Sul talvez tenha reduzido a minha capacidade de raciocínio, seguramente pela distância ou a diferença horária. Admito… A razão do meu espanto, que é grande: Fernando Madureira, líder dos Super Dragões, qual ponta de lança numa grande área adversária, simulou uma falta que o árbitro puniu com grande penalidade… Para fazê-lo bem, reconheça-se, é preciso talento quase artístico.
Em Vizela, inspirando-se numa arte que tem adeptos apenas num país com futebol profissional mais vezes a preto e branco do que a cores, o adepto menos anónimo do FC Porto, surpreendentemente, pôde liderar o grupo organizado de que é responsável no apoio aos azuis e brancos. E fê-lo sem entrar sequer no recinto do jogo, por encontrar-se proibido de fazê-lo. Atacante com recursos físicos e técnicos acima da média, o homem, pasme-se, posicionou-se sobre muro fora do estádio, com vista (quase) privilegiada para o relvado e sem quaisquer restrições.
Digo-o sem reticências: tratando-se de outro adepto, garantidamente, qualquer segurança dentro ou fora do recinto que recebeu o Vizela-FC Porto, conhecendo ou não a pena aplicada por juiz ao Super Dragão, entraria em ação para impedir tão flagrante… borla. Se pai e filho tivessem o mesmo tipo de comportamento, que ousadia, ninguém duvide: em Caldas de Vizela ou noutro qualquer ponto deste país, ó da guarda!
Que poder(es) tem Madureira? O que temem as autoridades (militares da GNR e polícias da PSP) e os membros das empresas privadas de segurança? Existem castigos e castigos, castigados e castigados? Na véspera do arranque do campeonato, reagindo a declaração de Pedro Proença, presidente da Liga, a Direção Nacional da Polícia de Segurança Pública recordou os números da temporada de 2021/2022 , nomeadamente as 204 presenças em jogos da competição mais importante do nosso futebol. E, neles, fez cumprir, por exemplo, a proibição de frequência de quaisquer recintos desportivos que recai sobre mais de 300 indivíduos, por ordem de autoridade judiciária ou da Autoridade Para a Prevenção e Combate à Violência no Desporto (APCVD), após investigações administrativas ou criminais. Fê-lo e fê-lo bem.
No mesmo comunicado, a PSP comprometeu-se, ainda, a dedicar atenção (muito…) especial ao cumprimento das penas que ainda recaem sobre 244 adeptos. A missão da GNR, digo-o eu, não é diferente. Logo, conclui-se que a sentença de Madureira, que é reincidente em episódios relacionados com «atos de incitamento à violência, ao racismo, à xenofobia ou à intolerância», a que soma o «arremesso de objetos e a utilização de vestuário que incita tanto a violência como a intolerância em espetáculos desportivos», não está impedido de frequentar as proximidades dos locais dos crimes, mesmo encontrando-se suspenso por um período de 10 meses, por violação de um castigo anterior.
Assim sendo, pelas imagens que vimos, o super dragão (assim mesmo, com minúsculas!) não transgrediu qualquer determinação legal, nem fez gato-sapato da Justiça. Muito provavelmente, aquele muro em Caldas de Vizela tem um proprietário privado e até fica fora dos terrenos do clube visitado pelo FC Porto. Temo pela integridade física de Madureira quando os azuis e brancos jogarem em estádios com quatro bancadas...
Sim, eu sei, o objetivo principal de Fernando Madureira nunca é assistir a um qualquer jogo que envolva o clube de que é adepto, ou apoiar a Seleção, como sucede regularmente, mas tão-somente animar e comandar os muitos milhares de membros da claque que lide- ra. Infelizmente, fica-me sempre uma sensação de que Justiça e futebol não rimam. No desporto, sobretudo no desporto, protagonismo apenas aos protagonistas, mas este filme tem personagens a mais. Guião novo, precisa-se!...