A democracia nos clubes de futebol
É urgente que a nova geração de dirigentes do futebol português esteja preparada para a grande revolução do futebol à escala mundial
Aideia democrática nos clubes de futebol sempre pressupôs a convicção de que os clubes pertencem, por direito estatutário e por devoção, aos seus associados. Como tal, fazia todo o sentido o controlo participado em assembleias gerais, primeiro, seguindo a legitimidade liberal de um homem-um voto, e, depois, separando o peso de cada decisão através do número de anos de filiação. Como bem se sabe, a democracia dos clubes de futebol sobreviveu, em Portugal, ao congelamento da democracia republicana, curiosamente, também ela afetada pela balbúrdia política e social em que se foi transformando e que degenerou naquele longo caminho sem saída do Estado Novo, forma ligeirinha em que se transformou a designação de uma ditadura nacional do partido único e do poder unipessoal de Salazar.
As assembleias gerais dos clubes sempre foram espaços de discussão aberta e, não raras vezes, turbulenta. Duravam, não raras vezes, até alta madrugada e não foram invulgares os momentos em que os órgãos eleitos tinham de esperar pelo cansaço das tropas adversárias para, enfim, conseguirem impor a sua vontade. Presidentes experientes, habituados a gerir as incomodidades e o desconforto das massas, sobretudo quando os resultados não corriam de feição, tinham cuidados especiais na marcação de datas das assembleias, na mobilização dos seus mais fieis aliados, através da cirúrgica acusação de «inimigos externos do clube» e, assim, exerciam o poder, também potenciado por uma comunicação de sucesso e um discurso impactante.
Meio século depois, o mundo mudou de forma radical, as democracias formais são baseadas nas escolhas eleitorais de representantes do povo e já não é mais possível governar em democracia sem se ter uma noção global do mundo e sem abolir, de vez, essa ideia indigente de que se está num campo de batalha e que, portanto, tudo se resume à glória dos nossos e à morte dos outros.
Também no futebol se esbateram fronteiras, se precisa de alianças, se criam pontes, se pensa no desenvolvimento global da indústria como única saída para os novos tempos de transformação e, provavelmente, de revolução.
Hoje, o grande desafio dos clubes portugueses é o de se prepararem para o que já se anuncia de profunda transformação no futebol mundial, desde a compra de clubes por Estados com práticas políticas de ética pouco ou nada recomendáveis, a inevitáveis ressacas da instabilidade provocada pela acesa guerra entre a UEFA e a FIFA, ou seja, entre o domínio e ampla hegemonia do futebol europeu e a profunda revolta que isso provoca no futebol de países da América Latina, de África ou do continente asiático, que se tornarão aliados naturais de Infantino, que, assim, assegurará a sua imperial continuidade em Zurique.
Perceberão, pois, que as guerras, mais ou menos cíclicas, que ainda vão acontecendo nos bastidores do futebol português, a cargo de velhos dinossauros em vias de extinção, não passam de desproporcionados conflitos de uma natureza meramente regional e que apenas servem para distrair os papalvos dos verdadeiros e perigosos problemas que se projetam no futuro dos seus clubes.
É, assim, importante que possa emergir uma nova classe de dirigentes, mais jovens, mais preparados, mais universais, sem os vícios autoritários e intolerantes dos velhos marinheiros que não se atrevem a sair das únicas águas que conhecem. O tempo é de mudança e o futebol português ou mudará por consciencialização de uma nova geração de dirigentes, ou se arrisca a mudar por uma urgência inevitavelmente caótica.
COMPLEXOS POR RESOLVER
Não entendo que num clube de prática desportiva profissional, os seus principais dirigentes não sejam remunerados. É uma garantia e uma responsabilização necessárias. O que não se entende é que essas remunerações tenham de ser justificados em função do que se passa na casa dos seus parceiros ou rivais. Daí que tenha sido absurdo o comunicado da SAD do Sporting relativo à remuneração do Conselho de Administração da SAD leonina. Aquelas comparações diretas com os rivais são apenas sinais de complexos ainda não resolvidos.
NOBEL DA PAZ PARA JORNALISTAS
Os jornalistas Maria Ressa e Dmitri Muratov foram, ontem, consagrados, em Oslo, com o Prémio Nobel da Paz. Ambos foram distinguidos pelos seus esforços, em condições muito difíceis, por defenderem a liberdade de imprensa, expondo os abusos de poder nas Filipinas e na Rússia. Num tempo em que o jornalismo vive uma profunda crise global, o prémio renova a importância universal do jornalismo e da informação credível nas sociedades modernas e na floresta das fake news. É um sinal de esperança para todos os jornalistas.