A culpa é do Félix
Frederico Varandas levou a dele avante ao arrastar o processo de Bruno Fernandes até um beco sem saída e poder aplicar o plano SAD, com melhoria salarial para o jogador, além de outras ideias a discutir entre as partes e contratualmente complexas. Foi uma estratégia arguta, que lhe permitiu ganhar tempo, sem jamais abdicar do valor base que definiu para conversar com eventuais compradores.
A partir de agora, com a janela de transferências encerrada, sabe que passa a jogar em casa perante um adversário naturalmente fragilizado e carecido de poder reivindicativo. Criou as condições favoráveis para impor o seu ponto de vista que, em princípio, coincidirá com o interesse da instituição Sporting.
Li na edição de ontem de A BOLA que o Tottenham ofereceu ao jogador 3,5 milhões/ano, praticamente o dobro do que a administração leonina estará disposta a pagar-lhe, 1,7 ou 1,8 milhões para início de conversa, com abertura para chegar aos dois milhões, uma proposta aliciante no mercado luso, mas claramente abaixo do que se pratica noutros países, nomeadamente na Premier League.
Este processo sempre me pareceu cheio de equívocos e de coisas mal contadas. Serviu para animar o verão, mas esgotou-se quando o presidente do Sporting proclamou a sua vitória em entrevista à televisão do clube. Excedeu-se no entusiasmo, talvez convencido da inépcia do empresário do jogador, ou devido a qualquer outra razão que não alcanço, porque a verdade é que ambos quase colocaram a cotação de Bruno Fernandes no mesmo patamar onde se acotovela a gente vulgar.
Seja por que motivo for, por se ter apercebido da pouca influência do representante de Bruno em mercados de excelência, por sentir que a vontade do jogador em sair não seria assim tão intensa ou incomodado pelo sucesso do vizinho que mora no outro lado da Segunda Circular e transferiu João Félix por 126 milhões, o culpado disto tudo, é inequívoco que Frederico Varandas, embora dependente das venturas e desventuras da águia (despediu Keizer, «o treinador com o melhor perfil» para abraçar o seu projeto, por ter perdido a Supertaça com o Benfica sem se dar conta que foi o mesmo Keizer que eliminou o Benfica da Taça de Portugal, que ganhou ao FC Porto), foi astuto, não se desgastou e interveio só no estritamente necessário: estabeleceu os pressupostos financeiros para dialogar e ficou à espera que lhe batessem à porta. Pelos vistos, bateram, como A BOLA também noticiou, mas as hesitações do líder leonino, na hora de tomar a decisão final, esboroaram todas as tentativas de consecução da operação:
«Miguel Pinho, agente do capitão leonino, apresentou uma última oferta aos leões no valor total de €70 M (€60 M mais €10 M por objetivos), mas esbarrou na intransigência de Frederico Varandas que, pelos dados apurados por A BOLA, pretendia encaixar €85 M pelo jogador, ainda que estivesse disposto a baixar para os €80 M.»
É referido na mesma notícia de 9 de agosto, assinada pelo jornalista Rui Baioneta, que Frederico Varandas ainda terá pensado duas vezes, mas, como diz a sabedoria popular, quem muito pensa pouco faz, e, na altura, sem tempo para pensar, apenas para decidir, Varandas nada decidiu…
Problema aparentemente resolvido, com vantagens evidentes para a equipa do Sporting, a qual é notoriamente mais forte com Bruno Fernandes, o seu melhor elemento, o seu capitão e a sua estrela polar, a quem todos devem seguir para não se desviarem do caminho.
Com Bruno Fernandes, o Sporting pode ser um candidato de corpo inteiro e não apenas um esboço como recorrentemente se tem verificado nos últimos anos. Se o presidente do clube perseguiu o objetivo estratégico da continuidade do seu capitão por mais um ano e se, com essa ousadia, aceitou correr o risco de colocar todas as fichas no título, com certeza que merece o aplauso dos adeptos. Sai em ombros.
Falta, porém, perguntar ao jogador o que é que ele pensa sobre o assunto. Vai pensar bem, provavelmente. Bruno Fernandes, já deu para entender, não se esgota no dinheiro que lhe oferecem. Há outros valores que muito preza e que Frederico Varandas não tem na devida consideração. Porque, se tivesse, há muito esta questão do aumento ou não aumento deveria estar acordada. Por elementar justiça, sem necessidade de arrogâncias espúrias como a de dizer que o contrato dele «vai ser revisto, não porque esteja previsto, mas porque merece».
Se Varandas vê em Bruno Fernandes o melhor médio da Europa, por que não lhe ajustou o salário à dimensão que lhe reconhece e lhe propõe pagar metade do que recebia Bas Dost? Ah!, em Portugal esses vencimentos não são comportáveis. Então, deixe-o ir à vida dele… É a parte em que Varandas volta a hesitar e sai de cena pela porta de trás. Cai o pano, com poucas palmas e muitos assobios.