A arbitragem do clássico
«Nuno Almeida fez arbitragem de qualidade no Estádio do Dragão»
E STA afirmação, só por si, é capaz de garantir-me (mais) uma ou duas dúzias de mensagens insultuosas e ameaçadoras. Vai seguramente garantir-me novos inimigos de estimação. Não é para quem quer, é só para quem pode. Faz parte. Mas percebo a indignação que a opinião possa causar, sobretudo a quem viu e sentiu o jogo numa perspetiva mais próxima e emocional. E percebo porque o algarvio cometeu alguns erros (um deles muito relevante), que parecem contradizer a ideia. Portanto, sem prejuízo dos impropérios que entendam dirigir-me em surdina ou pelas vias habituais , permitam-me que tente, pelo menos, fundamentar o ponto de vista:
- O jogo foi muito difícil de dirigir. A rivalidade histórica, o momento menos amistoso entre responsáveis das equipas, a tensão entre adeptos, o mediatismo em torno do espetáculo e a entrega colocada em campo por jogadores e técnicos faziam antever esse cenário.
Para quem não se lembra, as duas primeiras faltas da partida (cometidas por Zaidu e Neto) foram tecnicamente passíveis de amarelo. Se Nuno Almeida tivesse colocado o livro debaixo do braço e atuado disciplinarmente, teria acertado mas também teria fixado a bitola num patamar de rigor apertado. O jogo que terminou sem que quase não se falasse de arbitragem, podia ter acabado como espécie de batalha campal, que todos censurariam, de dedo apontado ao juiz de campo. Não foi assim e o mérito esteve nas mãos de quem soube comandar, com mestria, uma nau difícil de navegar.
Mas para lá da enorme sensatez (e diplomacia) que tentou colocar nas intervenções - sobretudo em momentos sensíveis, junto de jogadores mais acalorados -, o árbitro da AF Algarve esteve sempre bem colocado, decidindo em cima dos lances. Isso oferece credibilidade à decisão. Nuno Almeida foi sempre firme, seguro e personalizado, mesmo quando se equivocou. Nunca vacilou, nunca permitiu perdas de tempo nem sururus desnecessários. Não foi em cantigas de quedas fabricadas nem se deixou condicionar uma vez. Esteve sempre por cima do jogo, nunca atrás e isso só está ao alcance dos que percebem da poda.
Além disso, aplicou a vantagem várias vezes, dando fluidez a uma partida que dificilmente poderia bater recordes nessa matéria. Perguntar-me-ão: Mas não errou? Errou! Claro que errou! Errou ele e erraram todos os que estiveram lá dentro, a tentar fazer o melhor, num ambiente de pressão duríssimo. Exemplos? Pepe teve gesto com o pé que lhe poderia ter valido a expulsão; Morita não mereceu o amarelo que lhe foi exibido; Matheus Reis não devia ter empurrado o apanha-bolas; Adán não devia ter pisado a marca de penálti; e o golo anulado ao FC Porto foi uma precipitação só justificada pela fadiga (bastava que tivesse esperado mais um segundo para legitimar a intervenção do VAR), mas... e o muito que acertou? E as quedas nas áreas que não foram punidas com castigo máximo (pelo menos uma de Otávio e duas de Edwards)? E os dois penáltis, ambos decisivos, que foram bem assinalados? E a não falta atacante de Taremi sobre Adán, que resultou em golo legal de Evanilson? E a mão instintiva de Pedro Porro, que lhe valeu justo vermelho? E todas as outras faltinhas e empurrões, quedas e trambolhões, protestos e confusões que soube analisar, punir ou desvalorizar com mestria e serenidade?
Em jogos com estas caraterísticas é impossível exigir perfeição a quem está lá dentro. Há muito mais para analisar tecnicamente e para gerir emocionalmente, a todos os níveis. É terrível, acreditem. É mesmo terrível. A arbitragem do clássico não foi perfeita, mas sob o ponto de vista de gestão, liderança, dimensão de árbitro e presença, repito... teve muita qualidade. Quando um árbitro chega a este patamar, tende a errar menos e a sentir mais confiança, porque o respeito é aceitação dos restantes intervenientes é maior.
A diferença entre o bom e o excelente nunca estará em quem acerta mais faltas ou falha menos penáltis.