Treino mental na arbitragem
Ser árbitro(a) é provavelmente a posição mais solitária no desporto. A pressão é constante e pesa nos ombros de quem solitariamente corre com um apito (mesmo que estejamos a falar de uma equipa), entre o elogio breve e o insulto fácil, entre a responsabilidade de decidir e a solidão de ser julgado. Não se limita ao relvado, nem ao apito final. Começa dias antes, e termina muito após o apito final, com nomeações antecipadas, comentários de bancada nas redes sociais, com os comunicados inflamados, em programas de debate onde tudo se disseca ao milímetro, em julgamentos públicos que raramente distinguem o erro humano da incompetência fabricada.
Quando se discute arbitragem fala-se muito da preparação física, do posicionamento, da leitura tática, do facilitismo, dos erros intencionais ou não intencionais. Mas fala-se pouco do que verdadeiramente sustenta a clareza da decisão: a mente. A preparação mental dos árbitros não é acessória, é claramente central. O treino mental é crucial, não só por forma a assegurar a saúde mental, mas também no que respeita ao seu desempenho em campo.
Quando os recursos mentais estão absorvidos a gerir emoções como medo, raiva ou insegurança, sobra menos para aquilo que exige foco como a análise do jogo, a leitura da intenção, a antecipação do movimento. O (A) árbitro(a) que gasta energia a proteger-se da crítica, da dúvida ou do erro, tem menos recursos disponíveis para interpretar e decidir de forma eficiente (rápida e corretamente). De acordo com a neurociência, de forma simplista, uma mente tranquila é uma mente disponível. É capaz de processar estímulos múltiplos, ignorar ruídos irrelevantes e tomar decisões rápidas com base em critérios claros. Não é a ausência de emoção que define a eficácia, é a capacidade de a reconhecer e de a modular, para manter o controlo interno mesmo quando tudo em redor tenta desestabilizar e isto consegue-se com treino!
Treinar a mente não é sinal de fragilidade. É sinal de profissionalismo. Tal como se treina o sprint ou a resistência, treina-se a atenção, o foco, a recuperação emocional após o erro. Este treino, para além da performance, permite proteger a integridade psicológica de quem passa uma época inteira sem palmas, mas com todas as responsabilidades às costas.
No arranque de mais uma época desportiva, esta reflexão impõe-se com particular urgência. Porque o início do campeonato não é só tempo de renovar objetivos, mas também de relembrar que por detrás de cada decisão em campo está uma pessoa, com emoções, com dúvidas, com exigências internas que raramente se veem.