Renato Veiga: sofrer e privar para conquistar
Não é uma metáfora ou uma figura de estilo: é uma constatação. No futebol moderno cada vez mais acelerado na forma como consome carreiras, onde muitos esperam sucesso imediato, Renato Veiga é um antídoto raro. A história dele não é a do prodígio que aos 18 anos estava no onze principal de uma grande equipa. É a história do jovem que percorreu academias em três países, que viveu longe de casa, que caiu e levantou, que foi emprestado, devolvido, subvalorizado e que transformou cada fase de dúvida numa camada extra de carácter.
Sobre os vários empréstimos e mudanças, o pai, Nelson Veiga, recusa a narrativa do fracasso: «Para mim, não houve empréstimos falhados. Houve momentos difíceis que foram fundamentais para a maturidade que ele tem hoje. A família sempre esteve habituada a mudanças, por causa da minha carreira. A única saída verdadeiramente dura foi a primeira, sozinho, para Augsburg. As restantes encararam-se com naturalidade e otimismo. Ajudou-o muito ter jogado em clubes com níveis e exigências completamente diferentes. Aprendeu a lidar com a frustração das derrotas e a gerir as vitórias. Tudo isso moldou o caráter dele.»
A maioria dos adeptos só o descobriu quando começou a aparecer nas convocatórias da Seleção Nacional. Já o sigo há muito devido ao seu pai, alguém que conhece o trajeto centímetro a centímetro e, sabe melhor do que ninguém que nada foi fácil. E, ainda assim, como ele próprio me contou, nunca temeu que o filho desistisse: «O Renato sempre expressou uma paixão enorme pelo jogo e pelo treino. Houve momentos em que precisei de lhe pedir para abrandar como naquela fase em que tinha dores de crescimento nos calcanhares e, mesmo sem condições físicas, insistia em treinar. Nunca tive medo que ele baixasse os braços, porque ele vive isto de uma forma absolutamente genuína.»
A história do Renato é tudo menos linear. Saiu e voltou a Portugal, passou por academias, por empréstimos que correram mal, por mudanças constantes e por contextos que não favorecem ninguém: Augsburgo, onde não ficou; Basileia, onde explodiu; Chelsea, que viu potencial num miúdo que ainda não tinha mostrado tudo; Juventus, onde voltou a provar que era solução; e agora Villarreal, que apostou num contrato de sete anos - compromisso raro no futebol atual. Nunca encontrou portas abertas; encontrou fechaduras. Mas descobriu a chave. E essa chave chama-se compromisso.
O mais impressionante em Renato Veiga não é a capacidade de jogar como central, lateral esquerdo ou médio defensivo. Não é a capacidade de sair a jogar ou o raro pé esquerdo. Não é a passada larga, o físico dominador a defender e atacar ou o passe longo que queima linhas. É a forma como reage. Há jogadores que, perante a adversidade, encolhem. Renato agiganta-se. Ganha espaço onde outros o perdem. Cresce onde muitos encolhem. Nelson confirma essa fibra competitiva e reconhece nela muito de si: «O espírito competitivo é o que mais nos aproxima. Eu sempre fui extremamente competitivo e ele está bem servido de genes… a mãe é igual! Onde diferimos é no tipo de jogador: o Renato, apesar do físico, é tecnicamente muito evoluído e elegante, eu era mais físico, agressivo e taticamente forte. Somos muito diferentes dentro de campo.»
No futebol, o talento abre a porta. Mas o comportamento é o que te deixa entrar. E é por isso que ele está onde está. E é, também, por isso que ele não vai ficar onde está por muito tempo, pois, o seu potencial é imenso. O último jogo da Seleção resume-o bem. Portugal vestiu uma camisola histórica, carregada de simbolismo, em homenagem ao eterno Eusébio. O momento em que Renato marcou pela Seleção, foi especial para o país… mas muito mais especial para o pai: «Foi profundamente emocionante. Um orgulho enorme para toda a família.»
Foi um dia especial para todos… mas mais ainda para Renato Veiga, que marcou o seu primeiro golo com a camisola das Quinas, usando o número 13, numa goleada por 9-1 frente à Arménia. Jogou ao lado de Rúben Dias como se estivesse naquela posição há anos. Sereno. Maduro. Confiável. Um central que não parece ter 22 anos, parece ter 28/30. Ou melhor: parece ter vivido o suficiente para saber que nada lhe foi dado. E isso vê-se na postura. No rigor. No foco. Na solidariedade. Na ambição silenciosa. Na forma como joga simples, mas pensa complexo.
Renato Veiga não vem para ser apenas mais um internacional português. O seu perfil psicológico — resiliente, focado, trabalhador e apaixonado — faz dele um ativo de longo prazo para qualquer equipa. Na Seleção, para mim, ele e Ruben Dias formam a dupla de centrais titular de Portugal. O Villarreal percebeu o seu valor e investiu forte num jogador que já é um valor seguro, mas apenas está a começar a revelar o que pode vir a ser. É um futebolista de projeto, de evolução. E, acima de tudo, de fiabilidade.
Num tempo em que muitos querem tudo em seis meses, Renato Veiga é um aviso positivo para os mais jovens: o caminho não tem de ser perfeito nem percorrido a alta velocidade. Faz-se ao contrário: constrói-se, cai-se, levanta-se, ajusta-se, insiste-se. Tem é de ser percorrido com atitude.
Numa era em que muitos desistem ao primeiro contratempo, Renato Veiga é o rosto do contrário. Do resistir em silêncio. Do trabalhar quando ninguém está a ver. Do acreditar nos dias bons mesmo quando só aparecem dias duros.
Renato para mim é um exemplo — já o seu pai o era. Renato Veiga é o tipo de jogador que deixa marca: pela forma de jogar, sim… mas sobretudo pela forma de ser. E é isso que o futebol português precisa: referências de carácter e valores, exemplos de resiliência, histórias que inspirem.
E há algo ainda mais importante: Renato Veiga não falha nos dias grandes. Joga com a tranquilidade de quem já conheceu o lado duro da profissão, e por isso valoriza os momentos bons sem se deslumbrar. A Seleção precisa deste tipo de jogador: estável, comprometido, intenso, emocionalmente inteligente e verdadeiramente apaixonado pelo que faz. Algumas características herdadas… da sua mãe. Nelson Veiga confessou-me:
«Ele é muito parecido com a mãe: verdadeiros, autênticos, apaixonados. Com três semanas de vida, num estádio na Figueira da Foz, apaixonou-se pelo futebol - era o único lugar onde não chorava e onde ficava quieto durante 90 minutos. Desde então tem levado essa paixão ao extremo como ele e a mãe tão bem sabem quando o fazem com amor, é daí que acredito vir esta atitude, intensidade e compromisso que ele não negoceia.»
Mas herdou também a resiliência do pai — o homem que foi dispensado várias vezes na formação e mesmo assim fez carreira profissional. Por isso, o conselho que Nelson deixa a todos os jovens é direto: «Se realmente querem chegar ao mais alto nível, então o trabalho, a dedicação e o compromisso têm de ser constantes e prioritários. Hoje têm acesso a toda a informação: sigam bons exemplos, percebam como chegaram ao topo. Não há dois caminhos iguais. Obstáculos vão existir sempre, mas nenhum pode ser maior do que o objetivo.»
O futuro? Só depende dele. Mas há sinais evidentes. Um jogador que já passou por cinco campeonatos antes dos 23 anos não tem receio de nada. E alguém que é titular no Villarreal, joga na LaLiga e na Champions League, marcou o primeiro golo pela Seleção Nacional num jogo histórico, cheio de significado, também não parece destinado a ser apenas figurante.
Renato Veiga chegou onde muitos não acreditaram que chegaria. Chegou porque sofre onde outros cedem. Chegou porque trabalha onde outros descansam. Chegou porque acredita onde outros duvidam. Chegou porque se privou de muitas coisas para se focar noutras. Chegou porque lutou e acreditou. Chegou porque é feito da matéria de que são feitos os que não desistem. E isso, no desporto e na vida, vale muito mais do que qualquer talento isolado.
Nota final: Um muito obrigado ao Nelson Veiga, simplesmente, por tudo.
«Liderar no Jogo» é a coluna de opinião em abola.pt de Tiago Guadalupe, autor dos livros «Liderator - a Excelência no Desporto», «Maniche 18», «SER Treinador, a conceção de Joel Rocha no futsal», «To be a Coach», «Organizar para Ganhar» e «Manuel Cajuda – o (des)Treinador».