Mourinho a ser Mourinho
Há poucas figuras no futebol português capazes de transformar uma simples conferência de imprensa em espetáculo como José Mourinho. No rescaldo do triunfo do Benfica sobre o Nápoles — uma vitória de afirmação mais psicológica do que classificativa — o treinador aproveitou o pós-jogo como quem regressa ao palco, não para justificar-se, mas para pôr o público e os críticos no devido lugar. Sem levantar a voz, Mourinho fez o que melhor sabe: usou as palavras como bisturi, não como martelo.
Porque se há coisa que o Special One não faz é desperdiçar um microfone. Falou do jogo, sim, mas mais do que isso, falou através do jogo. Fez do 2-0 ao campeão italiano um manifesto: contra os «experts em atacar o Benfica». Os tais que, diz ele, se têm fartado de «dar pauladas» na sua equipa, que, resiliente, continua «viva». Mourinho sabe que o desgaste não vem só dos pontapés dentro de campo — vem, sobretudo, do ruído fora dele. E é aí que ele se agiganta, no campo pantanoso da opinião pública, onde se sente em casa desde os tempos de Porto ou Chelsea.
A tirada sobre o 'golo de nota artística' foi mais do que um recado — foi um espelho. Mostrou a Mourinho de sempre: o que não perdoa o que vê como discurso enviesado contra si ou contra o clube que representa. Ao insinuar que, se o lance de Barreiro e Ríos tivesse sido pintado de verde ou azul, as manchetes seriam outras, expôs a velha ferida do futebol português: a fronteira difusa entre análise e ressentimento. Não disse nomes, porque não precisa — a arte de Mourinho está precisamente em deixar as balas com destinatário e sem remetente.
E se havia dúvidas sobre a intenção da mensagem, bastou ouvir a ironia final. «Ríos piorou comigo, está a ver-se que sim; e o Dahl também...» Uma frase curta, com a acidez certa, como só Mourinho sabe temperar. Um elogio disfarçado de sarcasmo, uma palmada nas costas dada com a mesma mão que aponta o erro. No fundo, uma maneira de dizer que, mesmo sob fogo, a equipa tem alma e sentido coletivo — e que ele, José, ainda manda no balneário e na narrativa.
Oportuna ou provocadora? Talvez as duas coisas. Mourinho joga com o tempo e com o contexto; sabe que quando vence, é legitimado a falar mais alto. Mas também sabe que precisa dessas vitórias para manter vivo o mito que construiu: o de que o mundo o persegue porque ele incomoda. E se há coisa que Mourinho gosta de fazer, é incomodar. A crítica, os rivais, e até os próprios benfiquistas que ainda não perceberam que, com ele, cada palavra tem uma estratégia. Até nas vitórias, Mourinho joga o seu próprio campeonato — o do discurso. Mourinho a ser Mourinho.