«Conheci a minha mulher numa discoteca em Poznan, a celebrar o apuramento para os Jogos»
Ania Kosa, esposa de Emanuel Silva, fotografada pelo jornal A BOLA em 2012 (Vítor Garcês)

ENTREVISTA A BOLA «Conheci a minha mulher numa discoteca em Poznan, a celebrar o apuramento para os Jogos»

MODALIDADES26.04.202409:15

Emanuel Silva recorda o melhor que a canoagem lhe deu: a mulher e, consequentemente, a filha, Lara

- Olhando para o início do seu percurso, como é que se convence uma criança a ir para a água gelada e dedicar-se, faça frio ou chuva, sem desistir?

- Bem, primeiro é preciso convencer os pais. Acho que é mais fácil convencer o miúdo do que os pais. Porque depois de convencemos os pais, eles conseguem encaminhar os miúdos para lá chegar.

- O seu pai diz que foi o Emanuel que o convenceu a ele…

- Sim. Eu queria ser atleta de canoagem, só via canoagem. E felizmente os meus pais apoiaram nessa maluqueira. Mas disseram-me: ‘se queres isso nós vamos apoiar-te, mas tens de te dedicar a 200%’. Se o meu pai estava a dar seu esforço para me levar ao rio, eu tinha de fazer valer esse contributo. Mas eu queria tanto, tanto, tanto, e ele disse ‘o puto quer essa maluqueira, vamos lá fazer-lhe a vontade’. Ainda me perguntou se eu não queria ir antes para o futebol, mas eu disse que se ele me metesse no futebol, eu desistia logo.

- Ir treinar para o rio de madrugada antes da escola; passar cerca de 250 dias por ano fora de casa; milhares de horas sozinho no rio… Tudo valeu a pena?

- Sim, valeu tudo a pena. Não só também pelos resultados que alcancei, mas também porque foi graças à canoagem que conheci a minha mulher.  Ou seja, se não fosse o desporto, não teria a minha esposa e a Lara não teria nascido.

- Como se conheceram?

- Conheci-a em 2004, em Poznán, na Polónia. Conhecia-a quando estava a celebrar o apuramento olímpico, numa discoteca na Polónia. Iniciámos um relacionamento, depois convidei-a para vir para Portugal, ela aceitou o desafio e ainda cá está [risos]. Estamos juntos há 20 anos.

- Ou seja, o primeiro diploma olímpico chegou mesmo antes de se estrear nos Jogos Olímpicos.

- [gargalhada] É verdade, mesmo antes de competir já tinha na bagagem um diploma.

- Ela foi a melhor coisa que a canoagem lhe deu?

- Sem dúvida. E conhecer tantos países, tantas culturas e ideias. Criei o meu estilo de vida e forma de ser, baseado nos conhecimentos que o desporto me proporcionou. Vivi o desporto muito intensamente. Apesar desta ressaca que agora estou a viver, o desporto traz muita coisa boa.

- E qual a coisa mais importante de que a canoagem o obrigou a abdicar?

- Momentos de família, de festa. Faltar a festas da escola da minha filha. Não me arrependo, e ela entende. Mas provavelmente, hoje faria de forma diferente. Em algumas fases importantes eu estava a 200 quilómetros de distância e não fui. Mas agora viria. Porque não estava assim tão longe. Eu vivia para o desporto e o alto rendimento, mas talvez fosse possível fazer esta diferençazinha.

Emanuel Silva com a filha, Lara, antes da última prova da carreira do canoísta português

- Faltou demasiado?

- Sinto que sim. Depois de Tóquio2020, estive quase a terminar a carreira. A balança esteve muito equilibrada: era entre despedir-me em Paris com a família e os amigos comigo, ou sair naquele momento e aproveitar o que restava da juventude da Lara. Agora não lhe posso dizer: ‘princesa, vamos fazer castelos na areia?’. Não porque ela já não faz castelos na areia. ‘’Vamos andar de moto de água?’. Não porque ela vai passar o fim de semana aqui ou ali… Depois de uma reunião de família, decidimos avançar. Mas tive de abdicar de muitas coisas e poderia ter feito de outra forma.

- Foi uma aprendizagem.

- Sim. E uma das mensagens que passo, por exemplo ao Fernando [Pimenta], é: ‘os teus filhos estão a crescer, tenta conciliar as coisas, porque um dia essa mágoa pode surgir’. Eu não tive quem me alertasse para isso, a minha família fazia o seu papel, e se eu estava bem, eles também estavam.

- E mesmo não tendo conseguido despedir-se em Paris, como sonhava, esse esforço extra valeu a pena?

- Sim, sem dúvida. Foram três anos de muita aprendizagem. Difíceis, mas cresci muito. E vi também quem é valia a pena segurar nos meus ciclos de amizades. Não me arrependo nada de ter feito essa decisão. Paris era um sonho, mas às vezes os sonhos não se conseguem realizar.

[a mostrar coerência com aquilo que dizia, Emanuel Silva pediu para suspender a entrevista durante cerca de duas horas para poder estar no jantar de aniversário do pai]

- Tem piada que parámos a conversa quando eu ia perguntar pela importância do seu pai no seu percurso. Quanto daquela medalha olímpica em Londres é dele?

- Isso é uma pergunta um bocado difícil. Ele é o responsável, e o pilar fundamental para o meu sucesso, porque acreditou mais ele na parte inicial do que propriamente eu. Ele é que me deu todo o incentivo naquelas manhãs que eu tinha que acordar de às cinco da manhã para ir treinar. É muito dele, sem dúvida. Se ele tivesse outro tipo de mentalidade, se calhar o meu sonho do alto rendimento teria ido por água abaixo [risos].

- Foi fundamental, quer fosse a levá-lo aos treinos, ou a assobiar em competição…

- Sem dúvida. [risos] Sem dúvida. Tocou aí num ponto muito importante. O assobio dele estava sempre presente. E quando ele conseguia marcar presença, dizia-me: ‘faz conta que eu estou na margem a assobiar por ti, imagina esse assobio, porque eu estou lá, independentemente se estou fisicamente ou não’. Por isso, esse é um pormenor muito importante, que faz toda a diferença. E claro que me marca recordar esses momentos. É um momento nostálgico porque já quase não me lembrava desse pormenor do assobio. Obrigado por isso [risos]. Além de também ter tido sempre todo o apoio da minha mãe, noutros aspetos, mais formal, talvez. Mas também foi uma peça fundamental.