Volta a Portugal Senhora tem muito mais Graça com a festa que o povo faz

MAIS DESPORTO19.08.202316:25

«Beba aqui um ‘fininho’, ou uma ‘mine’. Vá lá, tem de ser». O repto repete-se quase a cada 100 m aos repórteres na ascensão de 10 km ao Monte Farinha. Mas a visão de um GNR quase com a mesma recorrência leva-nos à nega, com um sorriso.

«Ah, vai a conduzir? Então ao menos meta para a blusa, um pastel de bacalhau, rissol, olhe aí tanta coisa», é o segundo ato de uma peça em reposição a cada edição da Volta e dia da mítica tirada de Mondim de Basto, que rivaliza com a Torre e a serra da Estrela como grande festa popular.

O magnetismo e vibração, únicas da Volta, numa empatia e simbiose umbilical corredores-adeptos, sente-se a cada curva da ascensão. «Coitados é deles, já viu o que é subir isto tudo? Até de carro custa; é segunda, terceira, quarta, primeira, segunda», reconhecem, no entanto, os que vieram de véspera, sexta-feira, e garantiram os melhores ‘spot’ para a festa.

«Oh, como o ‘carregamento’ de ‘jolas’ que já temos, arriscamo-nos a não ver passar ciclista algum às 17 horas, quando eles chegaram. Mas também, quem é que se importa», diz-nos Fernando de Paredes, que veio com 14 amigos na sexta-feira. «Importa é a festa, este convívio: damos férias às mulheres e damos gargalhadas, que é o melhor que levamos desta vida», é o mote de um local onde o ciclismo e os fãs rivalizam, até na altura, com o céu e deuses.

Inês espera Daniel Dias 

Logo no início da subida, mais de uma dúzia de farnel na toalha e adereços em apoio a Daniel Dias (LA Alumínios), vinda de Vila Real. Com chouriço, presunto, queijo, os garrafões do ‘tintol’ e cerveja às paletes. Inês, de 20 anos, estudante de Genética, quer ver passar o namorado Daniel. E o avô do corredor, Adriano, de 73 anos, e a avó, Fernanda, de 72, juntam-se ao Pedro, de 37 anos, mano mais velho do corredor, no comité de boas-vindas a A BOLA.

«Ele já liderou a Juventude e envergou a camisola branca nos primeiros dias, já foi bom. Na geral, já não tem hipóteses. Mas interessa é a festa e o convívio. Já viu este ar puro? De certeza que nada quer beber, mesmo?» é o repto de Adriano, enquanto um ‘tijolo’ (aparelhagem portátil) debita em proibitivos ‘The winner takes it all’ (‘o vencedor leva tudo’) da icónica banda sueca Abba.

A pista de dança alcatroada

Mais abaixo, Pedro Ferreira, também de Paredes, descalço, dança no meio da estrada com Deolinda, ao som de Quim Barreiros, e depois do incontornável ‘Eu tenho dois amores’, de Marco Paulo. Vieram de Varziela (Amarante), apoiar José Ricardo, juntamente com a filha de Deolinda, a formosa Susana, mais a Cidália e o Marílio, que envergam camisolas da equipa local, mas, mais púdicos, resistem ao pé de dança, mas não a revelar o Nuno Gomes que têm dentro de si, mostrando o nome gravado nas costas da camisola como o antigo avançado popularizou a marcar golos.

Tic-tac no sofá e o engenhoso baloiço

Uma curva adiante, José & José, esparramados em sofás, passam pelas brasas em belos sofás à beira da estrada. Também vieram de Paredes e concordam: «Importante é a festa sem igual, o convívio. Os ciclistas só ajudam a que seja ainda melhor».

A seu lado, o engenheiro eletrotécnico Nélson Rocha engendrou com brilhantismo um baloiço pendurado num ramo de árvore, com uma vulgar cadeira de plástico e uma barra de ferro a suportar: abana para a esquerda e direita, qual pêndulo de relógio, à beira da estrada, ante a risada geral, em tronco nu, quase a cair nos braços de Morfeu.

‘Matadores’ de vasilhame

A têmpera dos bebedores mede-se, na subida aos 947 m de altitude do Monte Farinha, também pelo número de garrafas dispostas na berma. Se na estrada se passam mensagens – ‘Putin, fuck you’ era bem visível – e nas curvas posters de Henrique Casimiro e António Carvalho surgem amiúde, os ‘Matadores’, outro grupo vindo de Paredes, já consegue escrever o nome da pandilha com garrafas. Mas muito mais havia ainda em ‘stock’ para as goelas.

Trouxeram tudo: até uma pequena piscina e um borrifador para ir refrescando as ideias é sucesso, enquanto de nenhures se ouve «não voam nada mal os condutores», dos Xutos & Pontapés. Sons da Volta que levam todos, todos os anos… a Volta(r) e dão outro ar de Graça à Senhora do santuário lá de cima.