Varandas, o Sporting a.R. e o Sporting d.R.

OPINIÃO05.08.202107:00

Todos sabemos que há um antes e um depois. Mas ‘este’ depois de sonho para qualquer sportinguista promete continuar, quem sabe se ainda melhor

CONTA-SE que na Grécia antiga, num dos Jogos Olímpicos que haviam de inspirar Pierre de Coubertin à sua reedição moderna, depois de dois irmãos que ganharam ambos as suas competições e a correspondente coroa de louros (medalha de ouro da época), o pai dos desportistas se suicidou após dizer uma frase célebre: depois deste dia não vale a pena viver; não terei outro tão feliz.
A história é simultaneamente dramática e exagerada. Penso que o cume da felicidade não pode estar em vencer uma medalha de ouro, mesmo que sejam dois irmãos a fazê-lo simultaneamente. Os pais de Phelps, Lewis ou até de alguns esquecidos como Paavo Nurmi, só para dar alguns exemplos, ver-se-iam impedidos de ver os seus rebentos ganhar 23 medalhas de ouro (28 no total, caso de Phelps, entre 2004 e 2016, na natação), ou nove de ouro (e 12 e 11 no total, casos respetivamente de Nurmi, entre 1920 e 1928, em natação, ou entre 1984 e 1996, como Lewis no atletismo). Para verem como a memória destes factos é curta, Bolt só ganhou 8 medalhas e Nadia Comaneci nove, mas apenas cinco de ouro. Aliás o clube restrito de cinco medalhas de ouro em Olimpíadas conta com 69 atletas, a maioria dos quais nunca ouvimos falar porque são em esgrima, tiro, patinagem, equitação ou tiro ao arco.
Esta espécie de imortalidade a prazo (cada vez mais curto, à medida que as notícias se devoram e os feitos são constantemente ultrapassados), ajuda-nos a ser modestos em qualquer campo do desporto. Exemplar é o caso de Dick Fosbury, medalha de ouro do salto em altura, no México em 1968, com 2,24m (compare-se com os 2,37m que deu duas quase inéditas medalhas de ouro a Tamberi, de Itália e a Barshim, do Qatar), que operou uma revolução no salto, antes executado de frente, com rolamento ventral, sendo ele o primeiro a fazê-lo de costas. Aqui temos um homem, hoje com 74 anos, que apenas com uma medalha é sempre recordado quando a disciplina de salto em altura é praticada.
Tudo isto vem a propósito da efemeridade e do exagero com que, com a regularidade de um bom relógio, olhamos os feitos do momento. Assim, também no Sporting, que teve uma época de sonho, com a vitória folgada no campeonato e, antes, na Taça da Liga, e culminando (ou iniciando?) com a vitória justa na Supertaça Cândido de Oliveira, sábado passado. Há aqui claramente um a.R. (antes de Rúben) e um d.R. (depois de Rúben). Poderemos confirmar, amanhã à noite, frente ao Vizela, na 1.ª  jornada da Liga 2021/2022.
 

Depois do título e da Taça da Liga em 2020/2021, leão entrou em 2021/2022 a ganhar


E HÁ MAGIA?

HÁ uns dias, o notável divulgador de ciência e tecnologia e ex-presidente do Instituto Superior Técnico, Arlindo Oliveira, citando o famoso escritor de ficção científica Arthur C. Clarke, escrevia que qualquer tecnologia suficientemente avançada é indistinguível da magia. A referência não pretende justificar a magia, mas sim a improbabilidade de se obter algo sem revolucionar a tecnologia (com a tecnologia dos anos 50 e as funções que tem hoje, o nosso telefone teria de ter o tamanho de um estádio). Apenas significa que as mudanças que vemos operarem-se à nossa frente resultam de inspiração, é certo, mas sobretudo de organização, investigação e aplicação de novos métodos.
Quando afirmo que há um d.R. após a exibição contra o Braga (onde a falta de João Mário, de que tanto se falava, foi inexistente, porque se jogou de outra forma, precisamente), quero afirmar que após Rúben ter revolucionado o sistema tático de jogo e a disciplina no balneário; quando coloca os mais velhos sob a pressão dos mais novos e se vê que todas as ausências poderão ser supridas; quando afirma a unidade do grupo («para onde vai um, vão todos»); quando mantém a modéstia, apesar dos três títulos ganhos em ano e meio (apenas uma época da sua inteira responsabilidade); quando é prudente, mesmo depois de exibições de tanta qualidade como a frente ao Braga; quando tudo isto se conjuga, podemos dizer que ele introduziu um salto brutal no Sporting e que tudo nos parece, agora, possível; entramos quase no domínio da magia.
Não terei sido o único sócio do Sporting a ficar preocupado com o golo do Braga, que aos 20 minutos de jogo nos deixava a correr atrás do prejuízo. Seríamos como a antiga equipa, que se desorientava e ainda podia levar mais uns (a última Supertaça tínhamos perdido 0-5 com o Benfica); ou seríamos este Sporting que não baixa os braços? Claro que sabem a resposta; é ela que nos dá confiança: o golo de Jovane a empatar nove minutos depois e o golaço de Pote aos 43 minutos. E quem eram Pote e Jovane antes de Rúben? O primeiro anda pelo Sporting há muitos anos, mas vê-se que evolui imenso com este treinador; o segundo estava no Famalicão… veio para Alvalade, foi o melhor marcador do campeonato e fez um golo daqueles depois das férias. Confesso que nem percebi bem a sua ausência na seleção, embora o facto de ter apenas 23 anos lhe deixe muitas hipóteses para brilhar ao serviço do País.
 

O MÉRITO DE VARANDAS

GOSTEI da entrevista que o presidente do Sporting concedeu a Maria João Avillez, para o último Expresso. Boa parte do seu mérito está em ter contratado Rúben, mas é bom não esquecer o que tem vindo a fazer pelo equilíbrio das contas do clube e o esforço em segurar jogadores que são importantes para a equipa. O reforço que vimos com Porro, Pote, ou a contratação de Vinagre e (espero) de Ugarte, continuam com o objetivo de ir buscar não grandes nomes, mas jogadores que se adaptem ao estilo de Rúben. Não vale a pena ter avançados a esmo, como o Benfica, que gastou mais de 100 milhões nos últimos tempos e acaba sempre com Seferovic, que veio a custo zero, a ser o melhor marcador. A ideia é analisar onde estão as fragilidades ou as possíveis saídas irrecusáveis, e reforçar, justamente, esses setores.
Claro que Varandas beneficiou inicialmente de não haver público (a final da Supertaça foi o segundo jogo que Rúben dirigiu no Sporting com público nas bancadas; o primeiro fora contra o Aves em março de 2020, há ano e meio, portanto). Mas não tenho dúvidas de que a bancada se calaria, tanto mais que, como observei diversas vezes, se tratava de uma minoria ruidosa. Hoje em dia, esse problema está praticamente sanado e ninguém de bom senso se lembra de pedir a demissão da direção ou do presidente. No entanto, tenho de voltar ao meu mantra e ao início deste texto: tudo é efémero, salvo aquilo que estruturalmente se muda. Varandas, agora que está nas suas sete quintas tem mais do que oportunidade para começar a pensar nesses aspetos estruturais. E desde logo, nos estatutos aberrantes do Clube.
Não é uma embirração; trata-se de preservar o Sporting contra maus tempos (e mais tarde ou mais cedo, eles acontecem), contra possíveis azares (que também fazem parte da vida) e contra assaltos oportunistas (o que mais há). Sinceramente, por vezes penso que a maioria esqueceu o trabalho que houve em eleger um presidente, não pelo facto em si, mas porque foi necessário retirar do lugar alguém que andava a destruir o clube.
Por isso, meus caros dirigentes, se não é tarde para o fazer, também não é assim tão cedo. Proponham-no para as próximas eleições, já em 2022, e lancem desde já a discussão. Governar um clube vencedor e democrático não pode ser feito com estatutos de quem queria ser dono do Sporting.
 

JOGAR FORA

Benfica — Ganhou com relativa facilidade, em Moscovo, por 2-0, frente a um Spartak treinado por Rui Vitória que nunca pareceu ser um perigo, ou ter soluções. A segunda mão, terça-feira que vem, não constituirá, seguramente, problema. Duas notas: João Mário tornou-se motor da equipa e a situação de Vieira parece não afetar o coletivo. Pode, assim, continuar calmamente à procura de pagar a caução de três milhões, exigida pelo Tribunal.

Olímpiadas — Jorge Fonseca, Patrícia Mamona (ambos do Sporting) e Fernando Pimenta são, por ora, os heróis portugueses nas Olimpíadas. Ainda nos restam algumas hipóteses de medalhas, a mais desejada e provável por via de Pedro Pichardo (Benfica), no triplo salto. Subitamente, Portugal pode tornar-se uma potência nesta disciplina do atletismo.

Nelson Évora — Apesar da inevitabilidade do tempo, é sempre triste ver a despedida de um atleta de exceção, como é Nelson Évora… Também em triplo salto - e terá sido ele a inaugurar esta escola portuguesa? Talvez. Patrícia Mamona, cuja lucidez e bom senso são extraordinários, diz que sim…