Varandas e a guerra às claques

OPINIÃO28.10.201903:00

BEM sei que por cá preferimos dar atenção às guerras inócuas do que àquelas que, de facto, interessam. Que é mais giro falar de um assessor que vai de saia para a Assembleia da República, da porta que se calhar tem de ser aberta para que um deputado, para chegar ao seu novo lugar, não tenha de incomodar os outros (coitados...) que já lá estavam antes. Sim, vivemos num mundo em que é mais fácil brincar com as coisas sérias e irritarmo-nos com outras que deveriam, apenas, fazer-nos sorrir. Mas será, talvez, altura de quem gosta realmente de futebol, e com ele se preocupa, deixar de lado, nem que seja por uns minutos, os fait divers (na política e no futebol, que também os há e bastantes) e olhar para aquilo que se passa em Alvalade. Porque embora o assunto pareça envolver apenas o Sporting, não é exatamente assim.

Falo, claro, da guerra aberta entre a Direção de Frederico Varandas e, por agora, as duas mais importantes claques do universo leonino. Cansado de ser por elas insultado em assembleias gerais e jogos, o presidente do Sporting decidiu cortar-lhes todos os apoios, renunciando ao protocolo que, há muitos anos, lhes permite condições muito vantajosas na missão de apoiarem as várias equipas do clube. A decisão deve merecer, de todos, um forte aplauso. Aliás, o único reparo que se deve fazer a Frederico Varandas é ter esperado tanto tempo para decidir avançar com uma medida que, no caso concreto do Sporting, deveria ter avançado em maio do ano passado, quando um grupo composto por uma maioria de membros de uma dessas claques, a mando ou não, entrou pela Academia de Alcochete dentro e agrediu uma série de jogadores, como se os maus resultados o justificassem, como se houvesse alguma coisa que justificasse ação tão criminosa. Bem vistas as coisas, cortar o apoio às claques, ou pelo menos à que esteve diretamente envolvida no ataque a Alcochete, devia ter sido a primeira medida de Frederico Varandas no dia em que assumiu a presidência. Não foi. Mas, como diz o povo, mais vale tarde do que nunca.

Em causa não está apenas o Sporting. Nem se as claques são, ou não, úteis aos clubes (em especial aos grandes) ou ao futebol português. Cada um terá, sobre este tema, a sua opinião. O que está realmente em causa é a importância que as claques ganharam, de há uma década a esta parte, na vida dos clubes. A forma como, sem se perceber muito bem porquê, emblemas da dimensão de Benfica, FC Porto e Sporting, ou mais concretamente as suas direções, parecem estar reféns de grupos que, em nome de um apoio incondicional (signifique isso o que significar, e nem sempre a palavra incondicional significa uma coisa boa...) às equipas ganharam tal força que acham, hoje, poder influenciar decisões que só às administrações deviam dizer respeito. Ou pensam que, sozinhas, podem até fazer cair um presidente, porque não gostam dele ou porque preferiam outro (de preferência um deles, talvez) no seu lugar.

Frederico Varandas, honra lhe seja feita, decidiu declarar guerra a este fenómeno no Sporting. Mas esta é uma guerra que não deve ser só dele nem do Sporting. Este é o momento de quem tem algum poder deixar de assobiar para o lado. Olhar, de preferência com olhos de ver, para um fenómeno preocupante e perceber que é agora... ou depois pode ser demasiado tarde.

Há, também, outra possibilidade. A de serem os adeptos normais a colocarem as claques no seu devido lugar. Como ontem à noite aconteceu em Alvalade: quando os cânticos à exaustão repetidos nas últimas semanas se fizeram ouvir, a resposta foi um coro de assobios que quase os abafou. Como que a dizer que embora Frederico Varandas esteja mais frágil do que nunca, não será por causa desta guerra às claques que cairá. Ainda bem que assim é. Para o Sporting e para o futebol português.