Vales e facturas!...

OPINIÃO15.12.201803:12

Importa antes de mais nada esclarecer que não tenho rigorosamente nada com o que se passa dentro do Benfica ou da sua SAD, que não venha para a praça pública para ser discutida. Com efeito, não sou sócio do Benfica, nem acionista da SAD, pelo que não tenho qualquer interesse em saber se aos seus funcionários, directores ou administradores são feitos adiantamentos por conta do vencimento, dos prémios ou de outra coisa qualquer, para pagar a casa, o carro ou o casamento da filha ou do filho. Estou-me rigorosamente nas tintas!

Este tipo de adiantamentos são, de resto, empréstimos, porque os adiantamentos podem ter outras finalidades, como seja o adiantamento ao funcionário para efectivação de despesas da responsabilidade da empresa.

Na verdade, o adiantamento do ordenado ao funcionário, administrador ou diretor, não passa de um empréstimo, ou melhor, de um mútuo, tal como o define o artigo 1142.º do Código Civil: «é o contrato pela qual uma das partes empresta à outra dinheiro ou outra coisa fungível, ficando a segunda obrigada a restituir outro tanto do mesmo género e qualidade». Isto é, por exemplo, a entidade patronal empresta ao seu trabalhador uma determinada quantia e a restituição tem lugar no momento em que a mesma é descontada no ordenado mensal ou em vários ordenados mensais, se a restituição for fraccionada. É um adiantamento do ordenado...

Tanto num caso, como no outro, normalmente, esses adiantamentos eram (e julgo que ainda sejam em muitos casos) titulados pelos chamados vales de caixa ou vales à caixa - documentos internos justificativos de dinheiro entregue a alguém a título de empréstimo ou adiantamento para efectivação de despesas. Assim, se bem entendo, caso o Benfica ou a sua sociedade anónima «tivesse uma filha para casar», podia acontecer que adiantasse o dinheiro a um seu funcionário, este assinasse um vale de caixa do montante necessário ao pagamento da festa do casamento, vale esse que seria rasgado e substituído pela factura/recibo da empresa responsável pelo evento. É evidente que o Benfica ou a sua sociedade anónima desportiva não têm filhos, mas tem sócios e acionistas, e seria perfeitamente possível sortear entre estes uma festa de casamento. Porque não? O serviço devia, efectivamente, ser facturado ao Benfica, e pago por este.

Contudo, não foi isso que aconteceu. Nem o Benfica, nem a sua sociedade anónima, contrataram os serviços da empresa que organizou o casamento da filha do seu CEO. Foi este ou a filha é que contratou essa empresa e, a pedido deles, facturou o serviço ao Benfica ou à Benfica SAD. Com ou sem o consentimento do clube ou da SAD, é coisa que, como já disse, não me interessa. Pura e simplesmente, não tenho nada com isso!

Tratando-se, como o CEO disse, de um adiantamento, no sentido de um empréstimo, a sua titulação através de uma factura de um serviço que não foi prestado ao Benfica é uma forma de titulação incorrecta. Seria bem mais simples, e, sobretudo, correcta, que esse adiantamento ou empréstimo, tivesse sido titulado por um vale de caixa com a assinatura do CEO. Nem haveria emails sobre o assunto, nem provavelmente se saberia que tinha havido um empréstimo, e muito menos a que é que se destinaria o dinheiro adiantado ou emprestado.

Vale de caixa e não Vale e Azevedo, de que me lembrei agora, porque também ele descobriu nos seus tempos de governação uma forma de pagamento original, diferente de dinheiro, cheque ou transferência bancária, que foi o pagamento por DHL! Como ainda devem estar lembrados, o Benfica havia-se comprometido a pagar cerca de seiscentos mil contos ao Manchester United por Poborsky, que a comunicação social considerou a primeira novela de Vale e Azevedo. Segundo se disse, o então presidente do Benfica acordou com os ingleses pagar após a constituição da Sociedade Anónima Desportiva do Benfica. Só que a SAD não avançava, o Manchester United não via a cor do dinheiro, e o pagamento enviado por DHL não chegava e a FIFA foi obrigada a intervir e Poborsky acabou por ser pago com as receitas da participação do Benfica nas competições europeias. Vale e Azevedo insistia que o pagamento havia sido feito por DHL!...

Depois de toda esta conversa, dirão os meus estimados leitores que, afinal, não me estou nas tintas para o assunto. Mantenho, no entanto, o que disse, porque eu ouvi a noticia e, a minha primeira reação, foi que se tratava de uma cusquice como também referiu o Dr. Domingos Soares de Oliveira. Contudo, foi este que veio publicamente dar uma explicação, e uma explicação que não convence ninguém, antes torna a situação digna de ser analisada pela opinião pública, em geral, e a dos benfiquistas, em particular. E os comentadores do Benfica têm sido particularmente cáusticos nos seus comentários, chegando ao conselho à demissão.

As razões destes e de outros benfiquistas são obvias, mas não as minhas. Nem tão pouco levanto a questão do IVA, porque não sou inspector de finanças. Focar-me neste tema resulta apenas do facto de o Dr. Domingos Soares de Oliveira tornar públicas as suas explicações e achar que esta situação é natural e normal. Normal e natural pode ser, com todo o respeito, para ele; mas eu, como muitos outros, não gostamos de ser tomados por tolos ou parvos!...

De resto, e para que este assunto seja apenas tratado de uma forma bem humorada, não quero deixar de contar uma história, que alguns conhecerão, e que tem a ver com empréstimos ou adiantamentos, e sobretudo, com o objeto do negócio de cada um.

Aconteceu em tempos já bastante recuados, pois ainda existia o Banco Nacional Ultramarino, e foi justamente à porta deste banco que um individuo montou o seu negócio de venda de castanhas assadas, quentes e boas, como diz o pregão popular. Um dia, um amigo do dito vendedor, pediu-lhe dinheiro emprestado (não adiantado) e este respondeu: «nem pensar! Tenho um acordo com o banco que é para respeitar escrupulosamente: nem o banco vende castanhas, nem eu empresto dinheiro!..»

Vale o que vale...

... mas não é bonito. Se fosse este jornal ou qualquer outro órgão da comunicação social que não tivesse dado relevância ao acontecimento, aqui d’el-rei que o Sporting era desconsiderado e mal-tratado pela comunicação social. Perdemos, mais uma vez, autoridade moral para as nossas críticas, agora a propósito da conquista do título europeu de clubes por parte dos judocas do Sporting.

Esperar-se-ia que essa conquista ocupasse grande parte da primeira página do jornal do Sporting, mas não foi isso o que aconteceu. Na verdade, a primeira página é praticamente toda ocupada com a fotografia do Presidente do Conselho Fiscal do Sporting Clube de Portugal, pessoa aliás que me merece o maior respeito pessoal e institucional. Não é ele que está em causa obviamente. Contudo, a simples menção, quase como uma pequena nota de rodapé - Judo Liga Europeia, nós somos campeões (pag. 20) - parece-me algo desproporcionada à importância da conquista.

Vale o que vale, mas espero que não seja a factura a pagar pelo judo do Sporting, por ser apoiado por alguém que fez parte da lista de Ricciardi!...