Um olhar sobre a luta pelo título
DOIS candidatos que antes de o ser já o eram. FC Porto e Benfica empatados a sessenta pontos, a nove jornadas do fim de um estranho final de época, jogado em sistema de contrarrelógio, sem público nas bancadas, exigindo de jogadores e treinadores qualidades e virtudes que, antes, não entravam na equação.
FC Porto ou Benfica, qual deles ganhará a corrida ou, vistas as coisas numa perspetiva mais analítica e, ainda assim, especulativa, qual deles estará em melhores condições para vencer?
Procuremos uma perspetiva com base no que pudemos ver em mais de meia época, considerada normal, e o que (pouco) vimos nesta fase de recomeço, apenas um jogo, e, por isso, com sinais ainda pouco consistentes, mas, ainda assim, significativos.
COMECEMOS pelo FC Porto, uma equipa talhada por um treinador que se comprometeu com o clube para a vida e que, do nosso ponto de vista, foi uma das melhores decisões da longa vida de dirigente desportivo de Pinto da Costa. Num momento em que já se temia a falência da Sociedade, muito limitado, por intervenção da UEFA, nas operações contratuais, obrigado a recorrer a uma equipa de exilados, Sérgio Conceição fez ressurgir o espírito guerreiro, a vontade louca de ganhar, de passar obstáculos à custa de sangue, suor e lágrimas, dramatizando um projeto que, para muitos, seria pouco motivador, fazendo nascer inimigos onde os havia e onde não havia inimigo algum, obrigando cada elemento da equipa (e seus arredores) a comprometerem-se com a entrega total do corpo e da alma, numa mobilização patriótica e de características militares.
O problema que se assinala é o da impossibilidade humana de manter sempre, a cem por cento, os níveis de competitividade, luta, sofrimento, desgaste, que Sérgio exige em cada momento.
Daí que aquele que é o sinal mais forte da equipa do FC Porto - acreditar sempre, ter uma coragem de Aljubarrota, destruir, pelo caminho, inimigos e indiferentes, atirar-se a cada jogo como se fosse, realmente, o jogo decisivo para o título, exigindo tudo de todos - seja, também, o sinal mais problemático. A construção do sistema, da filosofia e da estratégia estavam interligados com uma realidade que, de repente, se desmoronou numa pandemia sem antecedentes. Obrigado a fazer uma falsa pré-época e continuando a exigir até ao limite do esgotamento, o FC Porto arrisca-se a perder por ser, apesar de tudo, da condição humana.
Penso que o FC Porto, neste momento, é o candidato mais forte, mas poderá ser traído pela sua ânsia, pelo irracionalismo, pelo exagero na definição dos limites.
CURIOSAMENTE, o Benfica tem o problema oposto. A equipa sobrevive numa qualidade muito aceitável nos seus melhores momentos físicos e psicológicos, mas torna-se insípida, insegura, indolente nos momentos de crise. E a questão mais grave que se pode e deve colocar é se Bruno Lage já não consegue fazer chegar, em definitivo, um discurso que empolgue, que entusiasme, que mexa com o estado de coma geral em que a equipa sobrevive. Quando o campeonato parou de forma abrupta, pensou-se num gongo que vinha salvar um pugilista à beira do KO. E agora que, três meses depois, o combate recomeça, parece que esse pugilista, ainda atordoado, acabou de se levantar do tapete e só quer mesmo que o pesadelo acabe. Parece-me evidente que o Benfica só possa ter hipóteses de ser campeão se resolver o que nestes três meses ainda não conseguiu resolver.