Um dia, quando remarem todos para o mesmo lado

OPINIÃO26.12.201903:00

Otítulo baseia-se numa feliz frase de Luís Neto, já animado após o pior da lesão arrepiante sofrida no jogo contra o Moreirense ter passado. Disse ele: «No dia em que o Sporting remar todo para o mesmo lado, cuidado. Os outros clubes vão ter medo». Descontando palavras como medo que não será bem o caso, o defesa tem toda a razão. A raça que se viu na recuperação do 2-0 para 0 2-4 em Portimão, três dos golos obtidos em inferioridade numérica, não transforma o clube em invencível, mas confere a cada um dos jogadores uma força anímica e uma autoconfiança que torna mais difícil derrotá-los, deitá-los abaixo.


Esse jogo para a Taça da Liga, dia em que os deuses conspiraram para permitir que o Sporting pudesse defender o título obtido no ano passado nesta prova, é aliás um bom motivo de reflexão. Em primeiro lugar, sobre a arbitragem e os regulamentos que regem a Liga e o futebol português; em segundo lugar sobre os mecanismos táticos e psicológicos que regem o Sporting. Comecemos pelos primeiros.


A expulsão de Bolasie, através de um segundo cartão amarelo por pretensa falta sobre Willyan Rocha, do Portimonense, é de bradar aos céus. Não é apenas o facto de não ter existido; já foram assinaladas inúmeras faltas que jamais existiram, prejudicando todos os clubes. O problema é que esta nem pareceu existir. E não pareceu a ninguém. Não tendo existido, não tendo sequer parecido (como por vezes acontece), como pôde o árbitro ter aquele mínimo de certeza que o leva a marcar falta e a mostrar um cartão amarelo, o segundo cartão amarelo. Sobretudo quando não manteve o critério em faltas que existiram (duas a favor do Sporting) por faltas idênticas, essas efetivas e comprovadamente vistas por todos que não mereceram sequer a interrupção do jogo?


Ainda sobre regulamentos e critérios. Por que tem de ser o clube a pedir a descriminalização? Perante erro tão grosseiro ou, pelo menos, tão visível, não deveriam os organismos que superintendem a arbitragem e o fair-play do nosso futebol tomar a iniciativa de retirar aquele vermelho a Bolasie? Ouvi comentadores ligados ao FC Porto, próximo adversário do Sporting para a Liga, a defender que o jogador do Sporting deve poder jogar. Pois bem, têm mais sentido de justiça que os Conselhos de Justiça. Por último, o VAR. Não é incrível que jogos desta categoria, organizados para clubes profissionais, não tenham VAR? É! Mas mais incrível ainda é o VAR, caso existisse, estar impedido por um raio de um regulamento, de corrigir a injustiça, uma vez que tratando-se de um segundo amarelo, e não de uma expulsão direta, não o poderia fazer.

Que Sporting é este?

Ocerto é que mesmo após a injustiça o Sporting reagiu de uma forma que ainda não se tinha visto, nesta época (e raramente se viu nas recentes). Depois de Vietto (mais uma vez a confirmar a subida de forma e confiança) ter reduzido, ainda com 11 em campo, na segunda parte, apenas com 10, Camacho marcou um golaço; Plata marcou um belo golo e Luiz Phellype também fez o gosto ao pé. É certo que Bruno Fernandes esteve em dois destes golos, mas sente-se que a equipa não está tão dependente do capitão, o que - insisto - é bom sinal. Bolasie, apesar de ter sido perdulário, deu, enquanto jogou, boas indicações; a defesa - pese o autogolo, este de Mathieu, no essencial, foi segura. Luís Maximiano na baliza dá confiança e Wendel vai sobressaindo. Doumbia cumpre, Battaglia percebe-se que quando atingir a forma total vai ser indispensável e assim a equipa, ainda sem reforços que serão necessários, parece outra. Nos dois últimos jogos marcou oito golos.


Porém, o histórico é arrepiante. Nunca conseguiu vencer mais de três jogos consecutivos. A série entre 7 de novembro e 28 do mesmo mês (Rosenborg, Belenenses e PSV) e entre 24 de outubro e 30 de outubro (Rosenborg, Guimarães e Paços de Ferreira). Em dezembro, começou a perder na Liga em Barcelos para o Gil Vicente, para depois, no mesmo terreno lhe ganhar na Taça da Liga como, logo a seguir, ao Moreirense. Mas as reservas que jogaram desconchavadas contra o LASK, interromperam a série, que se retomou com os quatro dados nos Açores ao Santa Clara e sábado em Portimão.


Chegamos a janeiro na próxima quarta feira. Em Portugal, ao contrário do Boxing Day britânico (feriado no dia seguinte ao Natal, em que os jogos de futebol são tradição) não há mais jogos este ano. E o próximo mês é decisivo para o Sporting.  Recebe o Porto, a 5, vai a Setúbal, a 11, recebe o Benfica, a 18 e joga a meia-final da Taça da Liga a 21. Tem ainda ou a final da Taça da Liga, a 25, ou o Marítimo em Alvalade a 26. Vitórias sobre o Porto e o Benfica (e claro também sobre o Setúbal e o Braga) podem confirmar as palavras de Luís Neto: «cuidado!».


Unidade e egos a mais corpo

A conclusão bem pode ser que mesmo a este Sporting apenas lhe falta unidade e «todos a remar para o mesmo lado». Para isso é necessário combater os que abertamente o querem minar (veja-se o ridículo das faixas anti-Varandas, em Portimão), coisa que a Direção e o presidente têm feito; depois há que saber gerir os egos e unir todos os que estão de boa vontade, sem agendas escondidas, aspeto onde tem havido falhas. É certo que o Sporting sempre pareceu um clube de egos demasiado grandes. Não só o ego dos dirigentes, como o dos ex-dirigentes e dos que queriam ser dirigentes. É lamentável, mas é o que temos. Nessas circunstâncias, e embora possa servir de atenuante para a falta de iniciativa da própria direção na promoção da unidade (o que era lema da sua campanha) não a isenta de erros.


Se é verdade que a unidade se consegue com resultados, e que os dois últimos, nomeadamente a reviravolta no Algarve, em boa parte contribuem para esse acalmar de espíritos que propicia a unidade, é bom de ver que há muita coisa a fazer que pode englobar mais gente do que aquela que está nos órgãos sociais. Sempre sem colocar em causa a última palavra da Direção e, depois desta, da Assembleia Geral, muita coisa há a repensar. Desde logo, a alteração dos Estatutos, que confesso me parecem feridos de uma ilegitimidade gritante quando elegem os fiscalizadores na mesma lista do que os fiscalizados (isto sem colocar em causa a honorabilidade dos eleitos). Depois, decorrendo, igualmente, dos Estatutos, a ausência de segunda volta nas eleições para a direção, para que uma equipa e um presidente serem eleitos com mais de 50% dos votantes. Também a composição e competência das Assembleias Gerais, cuja democraticidade é um mito e onde se está sempre perante a chantagem de pequenos grupos de ativistas. E, seguramente, muitas mais, inúmeras mais pequenas e grandes reformas que o clube necessita e adia.


Bem se sabe que o futebol é o motor da adesão e empatia dos sócios. Mas também nas modalidades há conflitos óbvios a ultrapassar. A confirmar-se que as ausências de Miguel Afonso e Miguel Albuquerque dos Prémios Stromp e da Gala Honoris se ficam a dever a desentendimentos sobre a gestão das modalidades (de que um é vogal da direção e outro diretor-geral) é necessário atacar o problema. As modalidades são o distinguo do clube. A crise que se fez sentir no futebol não embateu nesse setor com a mesma força. Logo no ano da demissão da Direção anterior fomos campeões europeus em desportos tão relevantes como o futsal ou hóquei. Mas num clube onde as divergências sobre gestão se manifestam de forma tão pessoal faltam duas palavras do nosso lema: dedicação e devoção. É óbvio que é preciso um esforço maior.