Um clássico ao pôr do sol... e não só

OPINIÃO20.08.202206:30

Sabiam que o Málaga tinha direitos sobre Horta e andaram a fazer negócios em alarido, como se comprassem tapetes em Marraquexe?

FC PORTO-Sporting à terceira jornada, com o país metade a banhos e outra metade a fugir das chamas das serras de Portugal. É o que é. A alternativa de fabricar artificialmente  um tempo de jejum de grandes jogos para apenas os soltar quando a malta está sossegada nas suas casas hipotecadas e na sua vidinha tantas vezes banal e triste não trazia particulares vantagens. Talvez mais público, admite-se, talvez mais uma pontinha de hipóteses de deixar as grandes decisões para os momentos finais e tornar o campeonato mais extenso nas emoções e nas dúvidas, mas havia sempre uma ideia de competição forçada e que comprometia a primeira regra da democracia desportiva: a equidade entre todos os participantes.

Teremos, assim, hoje mesmo, um clássico em pleno verão ao pôr do sol, o que nos remete para uma ideia de western e de duelos implacáveis. Os clubes têm estado muito calados, para não serem acusados de incitamento à violência, mas o povo já imagina, como duelo principal, Varandas contra Pinto da Costa, cada um a sair do seu saloon com pistolas no coldre e o coração frio. Percebo a tentação da realização cinematográfica, até porque seria um género de parte 2 de um filme que causou um interminável espetáculo,  mas para bem do futebol é bom que nem se cruzem no caminho. Nem eles, nem alguém por algum deles...
 

Rúben Amorim e Sérgio Conceição 

DO ponto de vista desportivo, é um clássico cheio de legítimas expectativas. Julgo que será justo dizer que os sportinguistas baixaram muito os seus níveis de exigência e, por isso, de esperança. A venda de Matheus Nunes, concretizada e anunciada a poucos dias do jogo do Dragão, e a imagem de indisfarçável desalento de Rúben Amorim ganha, em sentido perdedor, à imagem, controladamente irritada, de Sérgio Conceição, que não se cansa de pedir um substituto para Vitinha.

FC Porto e Sporting perderam jogadores importantes e, para já, têm plantéis mais frágeis e qualidade diminuída. A lógica é a de que com piores jogadores será difícil fazer melhores e até iguais equipas. Portanto, a dúvida estará em saber quanto pior. Como se reflete a nova fabricação de um meio campo portista, que ainda está a caminho de construir uma obra consistente, e quanto perderá o Sporting refrescante e alegre que Rúben tinha imaginado e construído em Alvalade?

O jogo do pôr do sol poderá trazer-nos alguma luz a esta dúvida, muito embora nos pareça que depois de tudo o que se passou e pela ordem em que se passou, Rúben Amorim tenha de resolver o problema mais difícil. 
 

OUTRO tema da atualidade e que não podia deixar sem referência é o da telenovela da contratação de Ricardo Horta pelo Benfica. No estado a que as coisas chegaram o clube da Luz já admite fazer abortar o negócio que desde o início pareceu estar a ser tratado por puros amadores. Mas ninguém sabia que o Málaga tinha direitos sobre o jogador em caso de uma transferência acima dos cinco milhões? E se sabiam isso andaram a fazer alarido de negócios como quem compra um tapete em Marraquexe?

Dificilmente se poderá pensar numa saída útil, mesmo estando Jorge Mendes no negócio, um homem que é conhecido por desatar nós difíceis. Mas se acontecer o que se espera que aconteça, o prejudicado principal é Ricardo Horta, que, com o devido apoio jurídico, poderá ter direito legal e ético a não querer continuar no clube do qual já se despediu. A FIFA costuma aceitar que um futebolista não seja um mero objeto.
 

DENTRO DA ÁREA – UM ‘EUROPEU’ CLANDESTINO 

Tem havido uns campeonatos da Europa pluridesportivos dos quais a grande maioria da população nem sequer ainda ouviu falar. A RTP2 passa umas imagens e transmite provas avulsas, mas recentemente anunciou que se iria seguir uma prova de natação onde um atleta português viria a conseguir a medalha de bronze e o que nos ofereceu, afinal, foi meia hora de saltos para a água. Pelo desporto e pelos atletas ninguém tem o mínimo de respeito. As audiências é que determinam tudo. Até a normalização das aberrações da vida em sociedade.
 

DENTRO DA ÁREA – O OUTRO CLÁSSICO DO NOSSO FUTEBOL 

Era apenas uma criança, de calções. Duas e meia da tarde, saí de casa com os meus pais e dez minutos depois tomei lugar na bancada leste do Restelo para ver o Belenenses - Académica. Jogava o grande Matateu, o Vicente, o pássaro azul, José Pereira, que não voava assim tanto, e havia deliciosos rebuçados de alteia e mel. Na Académica, imponente e liderante, a figura impressiva do grande capitão Mário Wilson, a jogar como falava. Pausadamente e com sentido. Muitos e muitos anos depois recupera-se, no Restelo, este clássico do futebol.