Última estação

OPINIÃO13.12.202205:30

Enquanto Cristiano Ronaldo foi o remédio que curou quase todos os males ninguém se atreveu a contestar o que quer que fosse, mas agora é o que se lê e ouve…

DESDE que começou a fase final do Mundial-2022 é a primeira vez que escrevo neste espaço sobre Portugal, por acreditar pouco na  seleção de Fernando Santos, sobretudo a partir do deprimente Europeu de 2020 e do que deveria  ter sido feito para nos poupar a mais frustrantes desempenhos.  Em rigor, nada se observou,  porque inventar ideias novas só para justificar soluções velhas é enganar  o adepto e deitar janela fora, provavelmente, a mais rica coleção de talentos  que o futebol português reuniu.
No Catar, nem tudo foi mau, porém, e tentando antecipar-me à agitação das próximas cenas, quero acreditar que ainda há futuro. Por culpa própria, falhámos esta oportunidade soberana para igualar a proeza do Mundial de Inglaterra,  em  1966, terceiro lugar, e sonhar até com a presença na final, mas  faltou-nos a competência da Croácia, por exemplo, vice-campeã em 2018 e com lugar reservado nas meias-finais de 2022, diante da Argentina.  
 

F ERNANDO SANTOS, em oito anos ao serviço da Federação, esteve sempre virado para dentro, mas, mesmo assim, o saldo é notável: campeão europeu em 2016 e vencedor da Liga das Nações em 2019. Além destas duas conquistas, atingiu  os oitavos de final no Mundial de 2018 e no  Europeu de 2020, de aí que a eliminação nos quartos de final no Mundial de 2022 deva ser encarada com desilusão, mas igualmente com  respeito pelo trabalho realizado.  No entanto, se nada de relevante tiver para acrescentar, como parece não ter, a atitude mais prudente  será a de conversar com o presidente da FPF e ceder o lugar a outro.

 Sei que tem contrato até 2024, é do conhecimento público porque foi  recordado  pelo próprio, mas a questão está em perceber se será capaz de nos próximos dois anos dar o passo que não conseguiu dar nos seis anteriores, desde o milagre de França.  E que passo é esse? Beneficiar ainda da presença de Cristiano Ronaldo, associada a geração de praticantes de excelência, para Portugal poder afirmar-se com uma identidade conquistadora, impondo os seus imensos atributos em vez de, repetidamente, lamentar as virtudes dos adversários.
   
Não fomos capazes de  aproveitar a embalagem  adquirida no Euro-2016 e depressa nos perdemos  na esterilidade dos nossos muitos equívocos. 

Sempre respaldado em Cristiano Ronaldo, Fernando Santos aceitou ficar dependente da figura e da influência do capitão da equipa. Se era o melhor do mundo, assim deveria ser tratado, em regime de exceção, pacificamente aceite, quer por companheiros, quer pela generalidade da crítica. Talvez com exageros, talvez com excesso de adjetivação, mas enquanto CR foi o remédio que curou quase todos os males ninguém contestou o que quer que fosse, mas agora é o que se lê e ouve…  

Se calhar nem precisava de ser assim, mas foi, por decisão do selecionador,  avesso a sugestões ou mudanças que pudessem ensombrar a suprema hegemonia de Ronaldo, autorizado a viver em mundo à parte por ter um peso superior ao da própria seleção, como foi  comprovado, em que mais repórteres de imagem  quiseram captar Cristiano sentado no banco de suplentes do que  tirar a foto da seleção.
 

PORTUGAL esteve no centro do universo mediático. Nos primeiros dias no Catar  foi o país mais desejado pela comunicação social de todos os continentes e tudo por causa de Cristiano Ronaldo. Não vou discutir se é ou  foi o melhor jogador do mundo, mas ficou demonstrado que ainda é o mais valioso do planeta, e  isso não me atrevo a contabilizar, mas deve  representar muitos milhões.

Além do seu discurso pouco mobilizador, que não é um defeito, apenas uma característica, o erro de Fernando Santos residiu em  idealizar uma equipa forte, por vezes em obediência a duvidosos critérios de qualidade, para jogar para Cristiano  Ronaldo e não para jogar com Cristiano Ronaldo. Foi uma opção por ele defendida e que deu frutos, não há como contrariar. Mas tudo tem o seu tempo e o tempo de Fernando Santos, sem horizontes,  chegou à última estação. Em conflito coma sua a principal base de apoio e dada a dimensão que o caso  assumiu não vejo outra saída para o problema.  É evidente que se pode colar os cacos e fazer de conta que nada de grave se passou… Pode mas não deve.

 O Europeu de 2024 não espera e Portugal vai atacá-lo basicamente com o mesmo grupo de jogadores, de preferência enriquecido com quem já devia ter entrado. O somatório dos valores individuais  é muito superior ao valor coletivo da seleção. É a realidade. Portugal precisa de mais ambição e da força de acreditar que o atual selecionador já não transmite. Foram oito anos intensos , é normal a necessidade de mudar.