Truques e um problema maior

OPINIÃO28.10.202107:00

Os clubes estão descapitalizados. Cedo ou tarde terão de discutir entrada de investimento externo. Até lá continuam as manobras

HÁ uma velha expressão popular que ocasionalmente me vem à memória quando penso na relação entre o futebol português e o rigor financeiro: «Se fizeres contas perdes dinheiro.» Muita coisa melhorou com a criação das sociedades desportivas, mas há vícios que persistem, reflexos de uma relação conflituosa com a transparência. Um exemplo? A divulgação de relatórios e contas pela calada da noite, de preferência em dias de jogo. Quando os números são negativos (o que acontece na maior parte das vezes), é mesmo um clássico. Uma clássica forma de passar por entre os pingos da chuva.

Há quem considere isso normal, afinal trata-se de uma atividade económica com uma enorme base emocional. Aos adeptos pouco importa a dimensão de um passivo desde que no final da temporada se possa celebrar um campeonato com uma bifana na mão e uma cerveja na outra. É um contexto cultural que tem permitido a muitos dirigentes e administradores de sociedades desportivas esticarem a corda até ao último  fio e mesmo assim manterem uma imagem de excelentes gestores com chorudos prémios de desempenho.

Recentemente assistimos a mais uma excelente finta: a troca de jogadores jovens entre clubes por valores absurdamente elevados. O FC Porto conseguiu, no espaço de poucas semanas, faturar 26 milhões de euros com três jogadores jovens (Francisco Ribeiro e Rafael Pereira para o V. Guimarães, por €15 milhões, e Marco Cruz para o Sporting, por €11 milhões), assumindo o compromisso do mesmo valor para com esses mesmos clubes (€15 milhões aos vitorianos pelos passes de Romain Correia e João Mendes e €11 milhões aos leões por Rodrigo Fernandes). Esta operação de maquilhagem tem uma lógica: o dinheiro (virtual) entra como um bolo inteiro e o dinheiro (virtual) que sai só chegará ao destino às fatias. Empurra-se com a barriga, faz-se boa figura no Excel e quem vier que feche a porta. 
 

Pinto da Costa e Frederico Varandas


É fácil concordar com quem condena este chicoespertismo. Trata-se de inflacionar algo que tem um valor muito residual, ainda que, a bem da verdade, o mesmo acontece ao contrário: os jogadores da formação nunca contam como ativos na avaliação dos plantéis, pelo que qualquer boa venda de um dos miúdos da cantera corrige estes esquemas contabilísticos —_desde que haja, efetivamente, boas vendas, caso contrário poderíamos estar na iminência de uma enorme bolha.

Mas estes truques escondem um problema maior: refletem a falta de liquidez da generalidade dos principais clubes portugueses. Há 10 anos, os fundos de investimento cobriam parte das necessidades dos principais emblemas para ter equipas altamente competitivas. Basta recordarmos o que era o onze-base do FC Porto em 2011 e o de 2021 (e já agora os de Benfica, Sporting ou SC Braga). As diferenças são enormes — e daí podermos dizer que Sérgio Conceição fez pequenos milagres na Champions. A partir de 2015, quando a FIFA proibiu a partilha de passes, a torneira dos fundos fechou-se, deu-se também a crise do BES (o banco do regime que chegou a patrocinar os três grandes em simultâneo) e o futebol bateu de frente contra o muro: muitas despesas e poucas fontes de investimento. As dívidas não baixam, as velhas práticas mantêm-se e estas manobras são um sinal de impotência e um lento arrastar de um défice estrutural que é praticamente transversal. Os grandes clubes portugueses estão descapitalizados e se quiserem competir na Europa terão de admitir, num futuro muito próximo, a hipótese de se abrirem ao investimento externo. Não estaremos enganados se dissermos que se um dos grandes o fizer, os outros irão atrás._John Textor não está apenas a mexer com o Benfica.