Trinta e oito anos depois
MUITO mais do que um jogo, o Flamengo-Grémio (01.30 h) no superlotado Maracanã. Discute-se, evidentemente, qual será o representante do Brasil na final da Taça dos Libertadores (o Grémio esteve lá há dois anos e ganhou; o Fla não põe lá os pés há 38 anos, desde o tempo de Zico); mas, também se discute se Jorge Jesus é ou não o treinador que chegou da Europa com uma abordagem diferente e logrou expor, num par de meses, todas as insuficiências do futebol brasileiro - e subliminarmente… dos treinadores brasileiros. Este é um tema claramente em cima da mesa e o resultado do braço de ferro final (em Porto Alegre ficou 1-1, a despeito da superioridade clara do Flamengo) é aguardado com enorme expectativa.
Atentem no que escreve o colunista Edison Silva no jornal carioca O Dia:
«De um lado Jorge Jesus, com estilo europeu, intensidade e sem o descanso que tem assustado - positivamente - o futebol. Do outro o experiente, no que diz respeito a futebol nacional, Renato Gaúcho. Larga o [campeonato] Brasileiro, time reserva e foco só na Libertadores. Deu certo há dois anos [venceu a competição]. Mas eles não defrontaram esse Flamengo. Fora isso, as farpas trocadas esquentam o clássico. O jogo é em campo mas também nas ideias. Todos vão parar para ver o maior jogo do ano. Resta saber se a filosofia brasileira dará uma resposta a quem fala em atraso, ou a cabeça europeia vai confirmar que o nosso futebol precisa mudar urgentemente. De que lado você está?»
Por falar de lados. O campeonato parece estar a cair para o lado do rolo compressor de Jesus que, sem poupanças, venceu 12 dos últimos treze jogos na série A com autoridade inquestionável. Desde que chegou ao Rio de Janeiro, o treinador português ganhou 34 pontos aos dois principais rivais (18 ao Palmeiras e 16 ao Santos) e a rapidez e exuberância desse sucesso fizeram dele uma figura de certa maneira incómoda tanto para os treinadores adversários como para os que continuam convencidos que o futebol do país pentacampeão-mundial não recebe lições de ninguém - muito menos de um cara português que ninguém conhecia. Essa perplexidade, esse irritante difícil de contrapor dada a crueza dos números, subentende-se aqui e ali na torrente de escritos sobre o treinador do Flamengo.
Vejamos a opinião de Washington Rodrigues, no diário carioca Meia Hora:
«Entre o duríssimo jogo de quarta-feira com o Fortaleza - incluindo viagens - e o Fla-Flu foram três dias que ele [Jorge Jesus] considerou mais que suficientes para a recuperação dos jogadores, sem levar em conta os riscos, as consequências do desgaste físico para o jogo decisivo de quarta-feira com o Grémio. Sem conhecê-lo bem, vejo Jorge Jesus como um apostador compulsivo, daqueles que jogam as fichas que ganham sempre querendo mais e mais. Se der tudo certo, conquistar a Copa dos Libertadores e o Campeonato Brasileiro, fazendo a Nação Rubro-Negra feliz, quebrará a banca e voltará para Portugal como o génio que veio ensinar futebol no país cinco vezes campeão do mundo».
Basicamente, é isto que também se joga logo de madrugada. A confirmação, ou não, de Jesus como o profeta que veio revolver o estagnado futebol brasileiro e indicar novos caminhos. Sendo o combativo Renato Gaúcho, no duelo de logo, o homem que defende, digamos assim, a honra da casa. Ninguém duvide: se o Grémio conseguir um Maracanazo e passar à final - o que é possível, atenção - Renato será incensado não só pela Imprensa gaúcha, mas por todos os jornais brasileiros.
Terminemos com a prosa de Robson Morelli, no Estado de São Paulo:
«(…) Há alguns confrontos dentro do confronto principal. O primeiro deles diz respeito ao trabalho de dois treinadores diferentes à beira do gramado. Jorge Jesus mudou o patamar do Flamengo. Sem qualquer pretensão para isso, também deu novas referências ao futebol brasileiro em tempo de secura, safras ruins e falta de talento na profissão. Descobriu cedo a qualidade do elenco do Flamengo e colocou o time no ataque, independentemente do rival do outro lado. Ganhou adeptos, mas também provocou ciumeira na classe, inclusive em Renato Gaúcho (…) Há um terceiro confronto, o estilo de jogo. O Fla só pensa em atacar. O Grémio é tinhoso. Jesus é um maestro. Gaúcho, um malandro».
Caro Robson, só lhe digo isto: se conhecesse Jorge Jesus como os portugueses conhecem, talvez pensasse duas vezes antes de chamar a «malandro» a Gaúcho…
Benfica: acorda!
OLyon parece o adversário ideal para o Benfica somar os primeiros pontos na Champions: a equipa francesa não tem jogado grande coisa - soma sete jornadas sem ganhar na Liga francesa (!) - e o novo treinador, Rudi Garcia, foi muito mal recebido pelos adeptos. Deve no entanto sublinhar-se que o Lyon, mesmo em crise, tem pouco a ver com o nível das equipas que o Benfica está acostumado a defrontar em Portugal. Lembre-se que foi capaz de ganhar em Leipzig (2-0) na ronda anterior. O campeão nacional não tem sido convincente nos jogos de dificuldade mais elevada e continua a mostrar, agora com Lage, notória falta de andamento para esta competição. É preciso, então que Bruno Lage aborde o jogo de logo como se fosse uma final e eleve drasticamente o grau de exigência: para isso tem de explicar aos jogadores que está em causa a imagem internacional do clube, muito abalada pela chuva de derrotas nesta prova (são onze nos últimos 14 jogos, a pior sequência de uma equipa portuguesa na Europa); e a imagem do próprio futebol nacional na competição mais mediática do Mundo - pense-se pela cabeça de um adepto estrangeiro: se a equipa que ganha cinco ligas em seis anos faz estes resultados na Champions, o que valerá então o campeonato português?. Resumindo: ganhar é imperioso, empatar um mau resultado (o SLB ainda tem de fazer dois jogos fora) e voltar a perder está completamente fora de questão. Acorda, Benfica !