Sonhos, ambições e realidades

OPINIÃO31.10.201800:49

1 - Quando começo a ver os adeptos a resmungarem entre dentes contra os treinadores e estes a elogiarem-se a si próprios, já sei que o seu futuro começa a ser incerto. Nos últimos tempos, assistimos a alguns episódios destes, envolvendo treinadores portugueses: José Mourinho, um crónico cultivador do auto-elogio, a viver mais um começo de  época frustrante no Man. United (embora ligeiramente recomposto pelos últimos resultados); José Peseiro, que se estendeu aqui, nas páginas de A BOLA, numa longa entrevista a que, não percebi porquê, chamaram «histórica»; e Rui Vitória, a puxar dos galões para se declarar disparatadamente um dos treinadores do Benfica com melhor curriculum europeu -  isto depois de encaixar a nona derrota nos últimos dez jogos para a Champions e logo depois de  Fernando Guerra ter revelado, aqui também, que no Benfica «fora decidido superiormente» (isto é, pelo presidente) que o clube ia passar a ser sonhar com o título de campeão europeu a breve prazo. Pois, sonhar, qualquer um pode... Assim como pode debitar banalidades como a de declarar que ir jogar fora para a Champions e bater-se pelo «pontinho» é uma asneira. E, todavia, foi isso mesmo que Rui Vitória declarou e foi isso mesmo que, salvo melhor opinião, o Benfica fez em Amesterdão, para acabar por perder o jogo aos 92 minutos, com «grande crueldade», segundo o seu treinador. Não há dúvida: há alturas em que o melhor que os treinadores teriam a fazer era ficar calados.

2 - Ia a caminho do quarto no meu hotel no Mindelo, quando vejo na televisão a transmissão em directo do Belenenses-Benfica. Sentei-me a ver o jogo, que tinha acabado de começar, na companhia de dois cabo-verdianos benfiquistas - numa ilha que me dizem ter muitos, mas na qual vi sim uma profusão imensa de portistas, fardados ou à paisana que me vinham cumprimentar, e onde não dei notícia de um só sportinguista. E então, aos poucos, aconteceu um fenómeno que nunca me tinha acontecido, a não ser é claro, no Estádio do Dragão: a mim, juntaram-se cinco outros portistas de Portugal: Fernando Rocha, vereador da Cultura de Matosinhos; António Almeida Henriques, presidente da Câmara de Viseu; Francisco José Viegas, Júlio Magalhães e o meu colega de escrita aqui, Pedro Marques Lopes.


Apesar dos esforços que fizemos para manter a devida contenção e respeito pelos benfiquistas presentes, imaginem a alegria com que estes seis portistas seguiram, minuto a minuto, a derrota do Benfica! Não houve gritos nem festejos efusivos, mas, no final, quem olhasse para nós diria que tínhamos comprado em conjunto o bilhete com o primeiro prémio da Lotaria Nacional. E o jogo acabou mesmo a tempo de irmos festejar com um soberbo arroz de marisco. Infelizmente, não havia pastéis de Belém...

3 - Lá, também, vi o FC Porto vencer em Moscovo o Lokomotiv, dias antes. Sofri tanto quanto a equipa me fez sofrer e não porque o jogo fosse difícil ou o adversário temível, mas porque a equipa, de facto, parecia empenhada em fazer todas as asneiras possíveis e só Casillas, por duas vezes, e uma terrível eficácia na hora de rematar à baliza nos fizeram sair de lá com os imperiosos três pontos. Seria imperdoável não aproveitar a sorte do grupo que o sorteio nos destinou para, ao menos, terminar em segundo lugar. Um grupo onde o Lokomotiv era o cabeça de série foi uma bênção caída dos céus! Agora, com o apuramento dos oitavos já praticamente garantido, todo o esforço deve concentrar-se, claro no próximo jogo, em casa frente ao mesmo Lokomotiv e a seguir no de Istambul, frente ao que demonstrou ser o adversário mais difícil. Tentar chegar ao primeiro lugar do grupo é, em teoria, determinante para encontrar pela frente um adversário menos violento nos oitavos. Porque, sem sonhos delirantes, como os que se alimentam para as bandas da Luz, o mais longe que o FC Porto poderá ir na Champions é chegar aos quartos. Já seria uma proeza notável.

4 - Em Moscovo, Corona serviu um golo de bandeja e marcou outro; contra o Feirense assistiu para o primeiro. Em ambos, fez dois grandes jogos, utilizando o seu poder de drible e sua fabulosa capacidade de cruzamento, em que só encontra igual naquela equipa em Alex Telles. Pergunto-me muitas vezes porque razão Sérgio Conceição aposta tão pouco nele. Curioso é o caso de Óliver Torres - que, de jogador que parecia morto há duas épocas, ressuscitou sem aviso nestes dois jogos. Em especial contra o Feirense - em que, pela primeira vez desde há muito, muito tempo, tive o prazer de ver o FC Porto jogar até aos 75 minutos em o inevitável Herrera - Óliver Torres encheu o meio-campo, fazendo infinitamente melhor aquilo que é suposto Herrera fazer naquela posição. Será que uma e outra surpresa são para durar ou, ao menos, para repetir de vez em quando?


Em contrapartida, há outra surpresa que já desisti de esperar: ver Sérgio Conceição lançar um defesa-direito a sério na equipa. Dos dois que comprámos com dinheiro que não temos, um foi logo despachado e o outro mantém-se em eterna preparação, à espera de oportunidade que nunca mais chega. Mas se também esse não serve, não haverá ninguém na equipa B ou nos juniores que nos dispense de ter de ver o pobre e esforçado Maxi a ficar sempre atrás porque já não tem pernas para ir à frente ou vice-versa, a ficar nas covas porque não tem altura nem poder de elevação, a passar a bola sempre para o lado ou para trás porque não tem qualidade técnica para mais? Eu sei que ele faz o que pode e não se lhe pode pedir mais, mas, francamente, como é possível não se ter preenchido uma lacuna tão gritante e ainda se ter renovado o contrato com ele?

5 - É claro que o VAR veio resolver algumas situações clamorosas e corrigir alguns erros gritantes ocorridos dentro das quatro linhas. Mas aqueles, que não eu, que esperavam que a sua introdução terminasse com as discussões, tornasse tudo claro, e se constituísse como uma espécie de instância de recurso clara, transparente, justa e incontestável, bem podem continuar à espera pois, por mais Protocolo que se melhore ou por mais experiência que se adquira, isso nunca irá acontecer. E nunca irá acontecer por uma razão simples: porque, seja a decisão tomada pelos árbitros de campo ou pelos VAR, ela é sempre subjectiva - logo, sempre susceptível de variar conforme a leitura e a opinião de cada um. Um árbitro decide de uma maneira, outro decidiria de outra; um VAR tem uma opinião, outro VAR teria outra. Jamais a arbitragem será uma ciência exacta.


Três exemplos disto este fim-de-semana. O penalty a favor do Benfica: no campo, Artur Soares Dias nada viu, como nada pareceu ter havido. Decorridos uns 45 segundos, o VAR chamou-o para visionar o lance e Soares dias esteve uns 2 minutos a fazê-lo, vendo as imagens uma, duas, várias vezes, até se decidir a marcar penalty. Ora, isto significa o quê? Que o penalty, a ter existido, foi tudo menos evidente. E, se não foi evidente, devia o árbitro tê-lo marcado? Segundo exemplo: o primeiro golo do FC Porto. No campo, pareceu off-side claro ao juiz de linha, aos comentadores da SportTV e a mim, e assim o assinalou o árbitro. Mas o VAR pediu-lhe que visse as imagens e descobriu-se um pé de um jogador do Feirense, que não o que disputava o lance com Felipe, e que eventualmente o colocava em jogo. E tanto o árbitro como os comentadores da SportTV mudaram de opinião, considerando o golo válido. Mas aqui, n’ A BOLA, Duarte Gomes manteve opinião contrária. Seja quem for que tenha razão, porém, estamos a falar de uma questão de milímetros: será isto o futebol? Terceiro exemplo: em contrapartida, o golo anulado logo aos 3 minutos ao FC Porto, por pretensa falta de Marega, que nenhuma repetição mostra ter acontecido. O árbitro não explicou porquê e o VAR não se mexeu. Por ser aos 3 minutos?