Sonho europeu de Vieira que não é sonho
É natural que os adeptos do emblema da águia queiram marcar presença massiva no jogo da Liga dos Campeões, na próxima semana, no estádio do Ajax, o mesmo da final da Liga Europa em 2013, perdida frente ao Chelsea (1-2), embora a oportunidade lhes permita, igualmente, recordarem o mais dourado acontecimento que o Benfica viveu, quando, a 2 de maio de 1962, também em Amesterdão, na final da Taça dos Campeões Europeus, derrotou o poderoso Real Madrid, por expressivo e inimaginável 5-3.
No ano anterior, em Berna, vencera, igualmente na final, o não menos temido Barcelona, tendo erguido pela primeira vez o tão valioso troféu e com essa proeza mostrado ao mundo a magia e a qualidade do jogador português. Mas foi na cidade holandesa que se virou uma página da história do futebol europeu, com a queda do venerado Real Madrid, de Di Stéfano, Puskas, Gento, Santamaria, Del Sol e outros: vencedor da Taça dos Campeões cinco vezes seguidas, entre 56 e 60, viu o seu incrível ciclo travado pelo humilde Benfica.
Há 56 anos (Costa Pereira; Mário João, Cavém , Germano, Ângelo Martins, Fernando Cruz, Coluna, José Augusto, Eusébio, Águas e Simões), inequivocamente, o Benfica colocou ponto na final na hegemonia espanhola e ele próprio se transformou na mais importante referência europeia durante toda a década de 60, como atestam as presenças na finais de 63 (Milan, 1-2), de 65 (Inter, 0-1) e de 68 (Manchester United, 1-1 e 1-4 no prolongamento).
A notoriedade encarnada criou raízes e resistiu até 1990, quando pela última vez participou numa final dos Campeões Europeus (Milan, 0-1, em Viena), a seguir à de 88, com o PSV (0-0, decidido por penáltis 5-6, em Estugarda), o que, além de traduzir o ressurgimento do Benfica europeu trinta anos depois da primeira conquista, dá alento à ambição de Luís Filipe Vieira de recolocar o clube no patamar de excelência que ocupou e que a sua grandeza lhe impõe. Mais do que um sonho, como lhe chamam, é um objetivo desportivo alcançável, sendo certo que, a repetir-se o intervalo temporal, está na hora de a águia voltar a voar pelos céus da Europa.
Os adeptos querem muito, o presidente mais ainda e por diversas vezes tem abordado o tema através de mensagens para dentro, e para fora, absolutamente convencido de que é possível chegar lá acima, e Domingos Soares Oliveira, administrador, por estes dias, abriu a porta a todos os entusiasmos, em Londres, numa cimeira Sport Business, ao declarar que estão identificados os princípios e os fundamentos do clube que irão orientar a estratégia global durante a década vindoura. Prova de que o trabalho de casa está feito, sendo altura, por isso, de passar da teoria à prática, tanto mais que a decisão superiormente tomada, antecipando os desafios do futuro, vai ter consequências na vida da instituição, inclusive no futebol profissional, ao nível de «estilo de jogo, tipo de equipas e de jogadores».
A estrutura existe, enfrenta as dificuldades e encara o presente com a confiança de quem tem a perfeita noção de que o caminho escolhido vai permitir ao Benfica recuperar tempo desperdiçado, por motivos sobejamente conhecidos, e reclamar o lugar que lhe pertence na elite do futebol internacional.
Neste sentido, o treinador tem de fazer parte da solução e em circunstância alguma ser um problema. Não é minha intenção sugerir sequer que Rui Vitória o seja, mas convém que nenhuma dúvida fique por esclarecer, tanto mais que não são assim tão poucos os pontos de interrogação que se vislumbram entre o universo benfiquista sobre o seu desempenho, e só não os vê quem não quiser ver.
Vieira tem defendido Vitória em todas as situações, sobretudo nas de maior tensão. Na sua mais recente intervenção, elogiou-lhe a audácia e a coragem no lançamento de jovens praticantes. Mas um treinador tem de ser mais do que isso, de aí a dúvida suscitada por Domingos Soares Oliveira na capital inglesa. Admitindo-se alguma dissonância na divulgação da mensagem, afirmou ele que o facto de Rui Vitória ter sido contratado numa perspetiva de longo prazo não inibe que se questione se o Benfica tem «o treinador certo».
Excelente questão para a qual não tenho resposta, apenas uma opinião e mesmo essa de fraco valor porque não frequento a academia do Seixal, não vejo os treinos, nem tenho acesso ao balneário, obviamente.
Parece-me, no entanto, que os adeptos veem nele mais uma boa pessoa do que um bom treinador. Não é pecado, mas creio que o Benfica precisa mesmo é de uma personalidade que empolgue, que aglutine, que lidere. Como a do treinador que, em reunião na UEFA, faz poucos anos, aplaudiu o papel de Vieira e mandou dizer-lhe que com aquele plantel jogaria para ser campeão europeu.
Creio que é alguém com esta forte determinação que faz falta. Para abanar, fazer acreditar e, talvez, ganhar. Porque não é sonho. É real.