Sobre o que disse Jesus
«Neste momento o Benfica tem instalações de top mundial. Só precisa de jogadores de top mundial...» Foi desta forma, sem que o repórter da BTV lhe tivesse pedido qualquer análise ao assunto, que Jorge Jesus decidiu comentar a abordagem das águias ao mercado. A frase, embora curta, é relevante. Primeiro porque não foi dita por acaso. Haverá quem tente desvalorizá-la nos próximos dias, mas basta conhecer minimamente Jorge Jesus para saber que nunca diria o que disse por mero descuido. Nem sorriria como sorriu enquanto a disse se não soubesse exatamente a importância do que estava a dizer. Segundo, porque Jesus disse o que disse no dia imediatamente a seguir ao Benfica ter contratado o jogador mais caro da história do clube. Não restam, portanto, dúvidas de que Jesus sabia exatamente o que estava a dizer. Mais, Jesus estava ciente do impacto que provocaria aquilo que estava a dizer. É o que é, pinte-se lá como se queira pintar o cenário - e serão muitos a tentar pintá-lo, uns carregando-o de tons mais cinzentos e outros de cores mais alegres. Faz parte. A grande questão não é, portanto, saber se Jesus quis dizer o que disse. Quis. A grande questão é saber porque disse Jesus o que disse.
Houve quem visse na frase de Jorge Jesus um recado a Luís Filipe Vieira. Faz sentido que assim seja, se quisermos alinhar na teoria de que o treinador não está satisfeito com o plantel que tem e decidiu pressionar o presidente para este lhe proporcionar soluções que lhe deem mais garantias no imediato. Seria, sem dúvida, mais fácil para Jesus se pudesse formar uma equipa com jogadores de top mundial. Há, contudo, algo que não faz sentido nesta teoria. Sendo verdade que Vieira prometeu a Jesus uma super equipa para convencê-lo a voltar à Luz, e mesmo admitindo que lhe tenha acenado com Cavani para lhe provar ser uma promessa que pretendia honrar, dificilmente um treinador com a experiência de Jesus pensaria que o Benfica teria, de repente, condições para lhe dar uma equipa com três ou quatro futebolistas de nível, como ele gosta de dizer, top mundial. Talvez Cavani, sim, mas não mais do que Cavani. Preferiria Jesus ter Messi, Cristiano Ronaldo, Van Dijk, Salah, Mbappé, Neymar ou qualquer outro dos grandes jogadores da atualidade? Claro! Que treinador não os queria? Veio Jesus para a Luz a pensar que treinaria futebolistas desse nível? Claro que não. Afirmar que quando disse que só faltava ao Benfica ter jogadores de top mundial Jesus estava a enviar um recado a Vieira sobre a abordagem do presidente ao mercado parece-me, até, um desrespeito para com a inteligência de um treinador que conhece a realidade do Benfica e do futebol português.
Não quer, contudo, isto dizer que a frase de Jorge Jesus não contenha um recado. Tem. Parece-me é que com um alvo diferente. Jesus sabe que Luís Filipe Vieira já investiu mais neste mercado do que em qualquer outro na história, não só da sua presidência mas também do clube. Entre Everton Cebolinha, Waldschmidt, Darwin Núñez e Vertonghen - tiremos Pedrinho da equação, porque estava contratado antes da chegada de Jesus - já vão bem mais de €60 milhões. E mais alguns chegarão. Jesus sabe que o investimento é elevadíssimo e com isso a pressão aumenta e muito. Vieira tem, digamos assim, a cabeça no cepo, mas ao lado está a de Jesus - alguém acredita que um presidente traga um jogador por 20 ou 25 milhões sem o aval do treinador? -, a quem se exigem resultados estratosféricos, a nível nacional, claro, mas também a nível internacional. E com a eliminatória com o PAOK à porta, o recado de Jesus terá sido, nesta fase, mais para fora do que para dentro.
Quando todos os adeptos exigem mundos e fundos face aos milhões investidos, o que Jesus quis dizer, parece-me, é que estando a construir uma boa equipa o Benfica não se pode, por muitos milhões que gaste neste mercado, equiparar às grandes equipas europeias. E tem razão. Penso é que se foi esse o objetivo Jesus se precipitou. Porque se o dissesse depois de passar à fase de grupos da Champions, toda a gente entenderia. O Benfica não tem, mesmo que invista 100 milhões de euros no mercado, obrigação de ganhar a Liga dos Campeões. Certíssimo. Há quem (e são muitos) invista muito mais. Mas Jesus dizer o que disse antes do jogo com o PAOK soa mal. Porque há uma coisa de que Jesus não se pode esquecer: depois de investir mais de 60 milhões de euros, o Benfica tem obrigação de chegar à fase de grupos da Champions. Com ou sem jogadores de top mundial. Não há outra forma de olhar para as coisas. É uma inevitabilidade. E dessa pressão Jesus não se livra com recados ou sorrisos marotos.