Será mesmo que o futebol voltou?
Estranha-se, mas depois entranha-se. Os tempos mudam e hoje já nem precisamos do conselho do poeta: nós, portugueses, podemos muito bem saltar o estranhar para entranharmos de um só fôlego este novo futebol sem alma. Sem emoção. Oco. Na realidade, estarmos perante a Südtribüne em Dortmund ou qualquer bancada portuguesa sem um grande por perto é praticamente o mesmo. Afinal, andamos há décadas a preparar-nos, com guerras e guerrilhas movidas a napalm e agente laranja, para qualquer coronavírus que se faça de convidado. Por nós, mais do que por todos os outros, este jogo menos humano, para não dizer desumano, pode voltar. Apenas duvidamos por poder infetar-nos as gentes e, com nova paragem, destruir-nos de vez a bola, tão cheia de morbilidades, e tudo o que a rodeia.
O futebol que volta pela mão dos metódicos alemães assenta em organização e num produto de sucesso. Longe do que temos e que, por isso, até pode levar a conclusões fora de contexto. Até os festejos parecem controlados, com sorrisos a encurtar o distanciamento social. A uma cuspidela e a um beijo que furem regras - gestos de sempre - tem de se dar tempo. O toque limita-se ao estritamente necessário: travar rivais.
Falta conhecer o efeito que os jogos sem adeptos terão nas audiências, assim que saciemos à bruta semanas de sede. A retoma para salvar o que resta da indústria terá de compensar os riscos de estar lá dentro. Não contando com os milhões da Liga dos Campeões, sem bilhética e com o valor dos jogadores em queda-livre - a que também não ajuda o produto de segunda, capaz de adormecer até olheiros e dirigentes -, as transmissões terão papel messiânico. Só que, com tudo o resto a desabar à volta, acham mesmo que vai ser precisamente aqui que o valor deste outro futebol com validade sine die se irá manter?