Semana 9 - Recomeço

OPINIÃO10.05.202004:00

1 O futebol está quase a regressar. Nesta semana em que se celebraram os setenta e cinco anos do fim da segunda guerra mundial e, ontem, se comemoraram os setenta anos do ato fundador da integração europeia (A Declaração Schuman), esse projeto que importa vivamente acarinhar e verdadeiramente aprofundar. Mas o futebol vive um tempo de recomeço, como, aliás, identifica a Liga inglesa que, amanhã mesmo, vai discutir o seu Project Restart, o Projeto Recomeço. A Alemanha ganhou, uma vez mais, a dianteira e as suas principais competições arrancam, já, no próximo fim de semana e com jogos transmitidos, ao que se lê, em sinal aberto. E com ela, e os seus emotivos jogos, mais o futebol sul-coreano, o da Nicarágua e o da Bielorrússia, já temos jogos suficientes para se jogar o Placard e, assim, serem geradas algumas receitas bem necessárias. Para a urgente solidariedade social e para a emergente necessidade desportiva. E, nós - se tudo correr bem - regressaremos neste final de maio. Mas com a consciência dos números de infetados e da necessidade extrema de todos os cuidados. Mascarados e, dentro do possível, confinados. Mas mesmo protegidos é relevante estimular a economia sob pena de uma crise social ainda mais devastadora. O que sabemos, nesta semana 9 de um singular e especial confinamento, é que em 1520 (!) foi criado, em Lisboa, um hospital para «doentes de pestilença»! E que no ano seguinte D. Manuel I morre em razão de uma epidemia trazida do Norte de África. E já quase um século antes o Rei D. Duarte morrera (1438) em razão de uma «outra epidemia», assim, como, em 1414, a Rainha D. Filipa de Lencastre falecia atingida por uma «peste trazida por barcos estrangeiros»! A nossa história esta recheado de momentos dolorosos de pestes (pestes grandes), e muitas delas entrando pelos portos - Lisboa e Porto, por excelência - foram especialmente mortíferas. A grande questão é que julgávamos, neste último século, que a ciência dominava e controlava tudo. Num ápice somos remetidos a nossas casas, limitados nas nossas liberdades, condicionados nos comportamentos e nas rotinas e sujeitos a advertências tão sérias  quanto, por vezes, bem angustiantes. E clamando por uma vacina! O que sabemos é que vivemos um tempo novo. E temos a consciência que o regresso a uma relativa normalidade vai demorar. Agora, depois dos números do Covid-19, vão chegar, em crescente dor, os números da economia, a queda do produto, o desemprego que galopa e as empresas que infelizmente desistem. E esta realidade também vai atingir o desporto, da alta competição à mera prática desportiva associativa. E só o empenho das Federações e das associações distritais e regionais, dos operadores televisivos e de relevantes empresas e instituições e, também, dos Municípios e das freguesias é que se poderá atenuar um desastre que se anuncia. E escrevo desastre por ora, já que pressinto que, em alguns casos, são mortes que se anunciam! O que seria traumático a todos os níveis. E essa dor poderá atingir mais intensamente o tecido associativo do interior de Portugal. Realidade que, por vezes, de tão invocada é, no final e afinal, em regra ignorada. Mesmo que sejam aqueles territórios que menos infetados registam! Curiosidades contraditórias!

2 O futebol, tal como outras atividades, está a definir, em parceria responsável com as autoridades de saúde, os procedimentos para o seu regresso, para o seu recomeço. Situemos, por excelência, o futebol na Europa. Respeitando rigorosas condições e requisitos sanitários e, até, regras excecionais como a louvável e inovadora consagração de cinco substituições por jogo. Num ápice a pandemia provoca múltiplas e rápidas revoluções. O que demorava meses ou anos agora ocorre em semanas. O que estava em meditação agora está em execução. Até nas tradicionais regras do jogo e na devida e necessária proteção dos e aos jogadores. E, até, reforçando o dominante presidencialismo, o que não deixa de ser tão sintomático quanto, por vezes, quase não descortinado! Tipo a liderança do Marquês de Pombal e a sua conhecida expressão após o terramoto de 1755: «Enterrar os mortos e cuidar os vivos!» Mas, e para além desta lembrança, o que constatamos é que a UEFA privilegiou as competições nacionais, desde que os Governos de cada Estado não tenham sido (ou venham a ser) proibicionistas como o foram o francês, o belga ou o holandês. E com a abertura do futebol alemão acredita-se que outras grandes ligas podem recomeçar e, assim, estarão criadas as condições mínimas para em agosto se disputarem as quarenta e quatro partidas que restam das atuais edições da Liga dos Campeões e da Liga Europa. Na verdade serão, no total, onze jornadas e com a nota que faltam disputar jogos dos oitavos de final da Liga Europa. Acredita-se que o futebol vai regressar. Em rigor recomeçar! Bem diferente, desde logo, por ser à porta fechada. E , aqui, com uma mera provocação: estes jogos fechados contam no caso de clubes ou SAD´s verem confirmadas sanções de jogos à porta fechada dos seus recintos desportivos ? Nada como em tempo de forçada pausa suscitar questões tão interessantes e bem emergentes!

3 Leio que em razão do novo Estatuto dos Magistrados Judiciais o Conselho Superior da Magistratura não autorizou, em especifica deliberação, que o Senhor Juiz Conselheiro jubilado Manuel Santos Serra voltasse a liderar, nas eleições que estarão a ser marcadas, a lista do Conselho de Justiça da Federação Portuguesa de Futebol. E numa semana em que a Assembleia da República legitimou a acumulação de funções da Professora Cláudia Santos e lhe permite que, a par de ilustre Deputada, se apresente, com e por mérito, como candidata a Presidente do Conselho de Disciplina da mesma Federação. Aceitemos, por desconhecimento e mera cautela, que estão preenchidos agora os mínimos requisitos para que, a par do recomeço do futebol e da sua principal competição, venham a decorrer as eleições federativas e que, natural e legitimamente, o Doutor Fernando Gomes seja reeleito na liderança da principal Federação de Portugal. E, aqui, permitam-me que acompanhe as lúcidas reflexões que ontem o Diretor Vítor Serpa aqui fez num magnifico artigo com o título «A nadar contra a maré»! Mas permitam-me uma palavra acerca do Conselheiro Santos Serra. Um cidadão exemplar e um Magistrado de mão cheia. Sim, de mão cheia! Aprendi esta expressão com o saudoso Senhor meu Pai, advogado durante quase sessenta anos, que repetia, aliás, expressão similar de meus queridos Bisavós, também eles advogados da e na Beira Alta. E ser um Juiz de mão cheia está para além da letra de um qualquer estatuto e de circunstâncias de um emergente poder corporativo que avalia o outro, a sua concreta existência e, acima de tudo, a sua essência. Sei bem do que falo. E sei que o Conselheiro Santos Serra é, e sempre foi, um verdadeiro e integral Magistrado. E por o saber aqui o proclamo, em registo escrito, trazendo uma expressão de Nietzsche - no seu Humano, demasiado humano - bem apropriada a estes tempos:

«Os insetos picam, não por maldade, mas porque também desejam viver. O mesmo acontece com os críticos: é o nosso sangue que pretendem, não a nossa dor!» Bem haja Senhor Conselheiro. Um abraço apertado - mesmo em tempo de Covid-19! -, Doutor Manuel Santos Serra!