Semana 6 - Maximiano

OPINIÃO19.04.202004:00

1 - Trinta e oito dias de confinamento. É o que regista o meu diário deste vírus  que, em coroa,  nos limita e condiciona e nos perturba e angustia mas que nos evidencia que há sempre muros que nos esperam  e rotinas que, num ápice, se perdem. A história, no seu registo implacável,  dá-nos conta desses momentos, tão  trágicos quanto também inspiradores. E hoje permitam-me um momento intenso de nostalgia. Combinado com uma imensa gratidão e um vibrante orgulho. Recordo o saudoso Senhor meu Pai, Maximiano. Que dizia , regressando à história que tanto o cativava e sempre o entusiasmou, que o seu nome resultava dos nomes Maximus e Emiliano e tinha como referência o imperador romano Maximiano, um dos líderes de uma Roma imperial e dominadora da Europa e que é um relevante marco na simbologia do poder: apogeu e queda. Vitórias consecutivas e derrotas humilhantes. E a sua imagem, que chegou a ser removida de todos os monumentos vem , depois, a ser reabilitada, e ele considerado quase como um Deus. Com ele, com o saudoso Senhor meu Pai, aprendi que o poder é sempre transitório. Como,  aliás, e na linha do nosso imortal Camões, a glória. E, neste tempo de pandemia, recordo-o com imensa saudade. Ele que nascera em 1919 ,  em plena gripe espanhola e que sentiu, como adolescente  as agruras da Grande Depressão, e já cumprindo o serviço militar, o duro racionamento da Segunda Guerra Mundial. E sempre o recordou e mencionou, advertindo que a «história se repete»!  Sempre em diferentes  circunstâncias!

2 - Vivemos tempos bem difíceis. Vivemos momentos em que a solidariedade e a responsabilidade se devem efetivamente conjugar. E, aqui, assumo-o, importa que o nosso poder político, nacional e local, não ignorem o papel  da comunicação social e os seus contributos para a consolidação da democracia e igualmente da leitura, da resistência, da universalidade, do humanismo e da fraternidade lusófonas. Sim, desta singular fraternidade que nos aproxima e em que  a  língua comum nos projeta e nos afirma neste mundo em que um vírus, em coroa, nos limita e provoca uma séria dor. Nestes tempos não há, como em outros instantes, - como no caso do denominado porte pago - nem «generalistas» nem «regionais  e locais». Há jornais e televisões, grupos com acionistas globais e grupos de resistência nacional. E, acredito, num momento  em que se impulsiona o que é nacional , que o nosso poder político - do Presidente da República ao primeiro-ministro, da ministra da Cultura à Assembleia da República, do Ministério das Finanças ao da Educação, do poder local às nossas instituições  sociais de referência - deve ter estímulos para as nossas comunicacionais  realidades desportivas e estas não podem, por uma questão de igualdade e de proporcionalidade - sim, de proporcionalidade, constitucionalmente consagrada!  -  ficar fora, de fora,  destas necessidades urgentes e destes apoios extraordinários. Os tempos são complexos e também esta  vida não se pode apagar! Não pode  mesmo!

3 - Vivemos, de novo, e em estritos termos jurídicos- constitucionais, um renovado período de  estado de emergência. De repente parece que há já instantes de libertação que se combinam com o sol que nos acaricia e a temperatura que nos impele a uma curta pausa no confinamento! Mas importa, como bem e lucidamente nos advertiram, não morrer na praia! Percebemos  que  poderemos, em meados de maio, começar a olhar para o regresso, limitado, de algumas competições desportivas em junho/julho. Particularmente no caso do futebol profissional. Lê-se que as competições  europeias - Liga dos Campeões e Liga Europa - poderão arrancar apenas em outubro ( 20 e 22 outubro, respetivamente) e, a partir de Espanha, e em razão de uma hipótese da respetiva federação atribuir os lugares europeus pela atual classificação, o Valência assumiu uma frontal discordância, com possível recurso, a concretizar-se, aos competentes tribunais. Na verdade, o menos conflituoso  seria criar uma conjugação positiva que leve as ligas a efetivarem   todas as jornadas, mesmo com sacrifício dos adeptos.

O que deveria levar a um excecional momento de sinais abertos nos operadores televisivos ou, no mínimo, a um pacote com descontos especiais para esse momento final, e extraordinário, da época desportiva. Sem finais concretos das diferentes competições os tribunais, os diferentes tribunais, acredito, terão muito que fazer neste verão. Porventura será, também nesta sede, como em outras, um verão bem quente!

Mas o que releva é que tudo tem de se reiniciar em segurança. Sem que o bem economia ponha em causa, minimamente, esse bem supremo que é  a saúde, e nela e com ela , o bem vida. Já  que esta é também, e por excelência, seja no futebol  e no basquetebol, no atletismo e no ciclismo, no golfe e no surf, por exemplo, a essência de cada atleta. Que é, antes de tudo, um ser que não se repete. E daí que a vida não se pode apagar!

4 - Hoje , repito, é o dia trinta e oito da minha quarentena. E tudo mudou.  As rotinas, o dia a dia,  o olhar os outros nos olhos, a proximidade, diria  que a liberdade. Agora contida, confinada. Mas estes largos dias levaram-me a vasculhar, diria que organizar, a minha biblioteca. Onde há muito livros e documentos, dezenas de artigos e centenas de cartas e de fotografias. Voltei a ver-me de bigode e com cabelo! E  foi, assim, que a saudade tomou conta de mim. Voltei a ler as centenas de cartas, num português cativante, que o saudoso Senhor meu Pai me enviou. Todas terminavam com uma frase que jamais esquecerei: «Teu Pai que te adora!» Descobri que a última foi a 11 de maio de 2012, a pouco menos de um mês de nos deixar. E , entre outros, uma de abril de 2011 em que me dizia «tanto eu como tu ficámos muito chateados com a derrota do nosso Benfica». E logo, com a sua sagacidade, adiantou: «Pronto, o assunto acabou: hoje, perdemos; amanhã, ganhamos … Tudo ficará bem!»

O Benfica perdera no Estádio da Luz frente ao Futebol Clube do Porto por 1-2 e com uma arbitragem de Duarte Gomes. E na semana seguinte o Benfica foi à Figueira da Foz perder por resultado idêntico perante a Naval ! Nestes tempos sabe bem perceber que «a vida não acaba». Um Pai será sempre um Pai. Um Pai  presente, vibrante, projetado nos filhos e na vida dos filhos  é (foi)  uma bênção. Graças a Deus, tive-a. Reconheço a sua escrita e a sua voz a cada instante. Mas também sei, nesta saudade que me toca e nesta nostalgia que me invade, que fiquei com ele no meu coração, na minha memória e na minha alma. E este regresso, diria que forçado, às suas amorosas e deliciosas cartas, têm sido um dos bálsamos deste confinamento. E lá veio a imagem do adeus final que é irrepetível. E essa imagem, que revejo, nunca se fecha. Regressou esta semana após a  Páscoa, num ritual lento, cadenciado, que quase me anestesiou. E lá veio à lembrança o seu sorriso final, que se abriu com a ênfase da sua fraca resistência, e as palavras que nunca desejei tanto voltar a ouvir: «Meu filho!» E são estas que continuo a guardar como precioso tesouro para a minha vida inteira. Com a consciência, agora reforçada, que a vida não acaba!  Não acaba mesmo !