Sem inocentes
Todos falam, falam, mas ninguém faz nada para mudar. Nem Frederico Varandas, que tanto atira pedras ao «bandido» como faz negócios com clube dele
H OJE há Liga dos Campeões, oitavos de final, onde só é permitido o acesso aos dezasseis clubes europeus mais competentes na presente edição. O Sporting é um deles, campeão nacional em título, segundo no grupo de apuramento, e logo à noite vai receber no seu estádio o Manchester City numa eliminatória a duas mãos em que o prestígio do emblema do leão vai ser galhardamente defendido pelos seus jogadores e por quem os treina, os únicos atores com direito a subirem ao palco de todos os sonhos. Futebol de luxo que, nesta fase da mais importante competição de clubes do mundo, está reservado aos melhores dos melhores e, por isso, sem impossíveis…
Acerca do degradante festival na noite da última sexta-feira, transmitido em direto para o mundo a partir do Estádio do Dragão, mais um, frise-se, a seguir a tantos e que deve ser visto como o último antes do próximo, já se escreveu e disse quase tudo, em todos os sentidos. Nada sobrou para acrescentar com alguma relevância. Dirimiram-se acusações, espalhou-se a confusão, como convém, repetiram-se as mesmas imagens vezes sem conta à procura de agressões e agressores e no final só os que não escaparam ao escrutínio do árbitro irão pagar a fatura, consoante a cor do cartão exibido, ficando a complexidade de investigações complementares para os inquéritos disciplinares, geralmente demorados e com decisões fora de tempo. Além de se saber que a chamada justiça desportiva, estando feita à medida das conveniências dos clubes, prima pela benevolência. Pelo que li, e não pelo que vi, Tabata terá sido o que se pôs mais a jeito, e se assim for, paciência, para a próxima não se meta onde não deve.
E STA ocorrência foi grave e mais uma vez convida a Liga a ser mais rigorosa em relação à organização dos jogos dos campeonatos profissionais, sendo minha convicção que se deve limitar a presença e a responsabilidade no perímetro do retângulo de jogo aos que são imprescindíveis à competição, nomeadamente treinadores, jogadores e árbitros.
O clássico foi rijo, pela entrega dos intervenientes, com bonitos golos e um resultado final que não fere a história do que se escreveu sobre o relvado. Confusões nos bancos? Há sempre, mas acabem com os suplementares e grande dose da algazarra se extingue. Depois aconteceu aquela barafunda de fim de festa, idêntica a tantas outras que nos chegam todas as semana e de todos os continentes. Situações reprováveis, sim, mas que nascem e morrem com a simples presença de quem lá está em baixo, a começar pelos treinadores, como foi o caso, em que o abraço entre Sérgio Conceição e Rúben Amorim, só por si, funcionou como um gesto desanuviador de tensões, agravadas, no entanto, por inexplicável aparição, no local da desordem, de uma turba fanática identificada com coletes azuis, e depois, no espaço da comunicação, ao vivo ou pelo recurso a textos acintosos e ao esgoto das redes sociais.
A bulha começou no campo e teria acabado no campo se outros interesses não tivessem emergido. Nas primeiras declarações, ainda com a temperatura elevada, os dois treinadores, cada qual no seu estilo, voltaram a ser sensatos nos discursos e diria até que foram exemplares na defesa do bom nome do futebol. Esgrimiram pontos de vista com elevação e, sobretudo, revelaram notável sentido profissional. Ambos quiseram ganhar e… no resto houve nervos à flor da pele.
O abraço entre Amorim e Conceição
F ORAM sábias as mensagens dos dois treinadores, no sentido de procurarem desanuviar o ambiente. Pena foi que Frederico Varandas não as tivesse compreendido, ao ponto de substituir ao seu treinador na sala de conferências de Imprensa para lançar achas para a fogueira. Que me lembre, desde que Rúben Amorim trabalha no Sporting, foi a terceira vez que resolveu imiscuir-se na área técnica e mais uma vez a conclusão foi desanimadora. Aliás, um dos segredos do sucesso do leão explica-se pelo silêncio presidencial, agora interrompido, porém, talvez por mera estratégia eleitoralista.
Através de uma oratória que não constava do programa, feita de ideias dispersas, quis manifestar uma posição de força, dar nota do seu estatuto de oficial do exército, sinal definidor de quem se julga pertencer a uma casta superior ao cidadão comum, e até endereçar deselegante remoque aos oficiais da GNR a propósito de um insignificância, além de distribuir censuras a torto e a direito como se fosse o dono da razão. Que não é, mas na qualidade de atual e muito provavelmente futuro presidente de um dos maiores clubes portugueses e campeão nacional de futebol em título pode e deve, com a inteligência e influência que julga ter, posicionar-se na linha da frente para mudar o que é preciso mudar.
Todos falam, falam, mas ninguém faz nada para mudar. Se calhar é assim que deve ser, porque dá jeito a todos. Entre mais ou menos culpados, não se vislumbram inocentes. Nem Varandas, que tanto atira pedras ao «bandido» como faz negócios com o clube dele.