São cravos, senhores
A ginasta Simone Biles (IMAGO)

São cravos, senhores

OPINIÃO26.04.202508:49

Há 51 anos, acabava-se o lápis azul, os cortes a direito das notícias que não interessavam. Mas, há dias em que me questiono se não vivemos hoje, paredes-meias, com uma prima afastada dessa maldita censura

Sempre celebrei o 25 de Abril, apesar de não ter vivido em ditadura. Tudo o que sei desses tempos foi o que me contaram, o que li, o que ouvi. E tudo só me deu ainda mais vontade de festejar essa revolução pacífica feita com cravos e não com armas. Entre muitas outras coisas celebra-se o fim da censura, algo que para os jornalistas tem um valor especial. Acabou-se o lápis azul, acabaram-se os cortes a direito das notícias que não interessavam.

Mas há dias em que me questiono se não vivemos hoje, paredes-meias, com uma prima afastada dessa maldita censura. Estive em Madrid, a fazer a cobertura dos Prémios Laureus, uma gala em que são distinguidos os melhores do Mundo no desporto. E quando falamos de melhores do Mundo, estamos mesmo a falar da elite.

Mondo Duplantis e Desire Inglander, a sua noiva (IMAGO)

Subi no elevador com a ginasta Simone Biles. Simpática. Cruzei-me com Nadal nos corredores de um hotel onde aguardava por uma entrevista com uma das lendas do desporto mundial. E não é sorte nem deslumbramento de rookie — se não estou enganada, é a 5.ª ou 6.ª vez, que estou presente no evento. Mondo Duplantis sorriu, falou com toda a gente. Esteve numa conferência com a enorme Nadia Comaneci. Ninguém se esconde, ninguém foge dos jornalistas. Fittipaldi sorriu e respondeu pacientemente a uma fila de 40 pessoas. Figo falou em espanhol para a media que quase o engolia, depois fez o mesmo em inglês, italiano e português.

Todos, sem exceção, estiveram frente a uma plateia de jornalistas e responderam a tudo. Todos, todos, todos.

E depois chegamos a Portugal, a este paraíso plantado no fim da Europa, e precisamos de um requerimento de 25 linhas — ainda existe? — para conseguir falar com um jogador de Benfica, Sporting ou FC Porto. Durante sete anos pedi a um clube uma entrevista com um treinador de andebol e quando comecei a ter respostas a frase era sempre a mesma: «Não é oportuno.»

Pergunto-me: não será isto uma censura moderna?

Os clubes têm a ideia de que controlam tudo e todos, todos, todos. Mas não percebem que estão a matar a galinha dos ovos de ouro. Não acredito que os atletas não gostem de falar sobre os momentos desportivos que estão a viver, não acredito que os treinadores não gostem de ser reconhecidos pelos seus feitos.

Hoje fazemos páginas sem saber qual é a voz do protagonista, tornando-nos cúmplices deste esquema perverso.

Novak Djokovic e Rebeca Andrade nos Laureus World Sport Awards (IMAGO)

Deixem os homens e as mulheres falarem. Foi para isso, também, que se fez o 25 de Abril, para que todos, todos, todos possam dizer o que lhes vai na alma e na cabeça. Ganham todos. Os atletas que mostram que sabem articular frases — será disto que os clubes têm medo? —, os jornalistas que podendo contar as histórias dos desportistas ajudam a mostrar aos adeptos quem são os seus heróis e isso só beneficiará os clubes também.

São cravos, senhores. Para todos, todos, todos que o 25 de Abril também se fez para isto.