Rui Costa: o primeiro exame para líder
As cenas dos próximos capítulos irão responder às dúvidas sobre o verdadeiro significado da carta apresentada por José Eduardo Moniz
QUANDO uma instituição, qualquer que ela seja, tem, por longo tempo, um líder marcante e emblemático, sente, sempre, sérias dificuldades na sua substituição. Porém, nenhum homem é eterno e, como tal, nenhum líder é insubstituível.
Claro que há mudanças que podem ser planeadas com o tempo e até com a colaboração do antigo líder, num desapego consciente e inteligente ao poder. São casos raros. Na maioria dos casos, os líderes persistentes ganham o vício da cadeira do poder e não querem largá-la. Eternizam-se nos cargos, cristalizam os seus vícios, ameaçam de traição quem ousa questionar a ideia de um poder inabalável, indiscutível e infindável.
Admitamos que não seria o caso de Luís Filipe Vieira, que já tinha anunciado ser, este, o seu último mandato e até indicado o nome de Rui Costa para seu sucessor. Como se sabe, circunstâncias mais ou menos inesperadas vieram baralhar o plano. Vieira viu-se a braços com um problema grave de justiça, foi detido, tem processos judiciais complexos, que ainda nem chegaram à barra dos tribunais e, por isso, teve de abandonar repentinamente e, manifestamente, contra a sua vontade as funções de presidente do Benfica e toda a construção do seu projeto.
Rui Costa deu, então, um passo em frente e assumiu a responsabilidade de se candidatar e se sujeitar à democracia do voto e à vontade dos sócios benfiquistas. Não houve surpresa nessa decisão e quando Rui Costa a anunciou, todo o país sabia o que ele ia dizer, antes de se aproximar do microfone para uma declaração formal.
Rui Costa já anunciou candidatura
TALVEZ Rui Costa não tivesse tido a exata consciência de que, nesse preciso momento, em que fazia uma simples declaração de candidatura, começava uma nova vida, que lhe iria exigir provações a que nunca estivera sujeito. Formar uma lista, planear um projeto próprio e, sobretudo, saber gerir sensibilidades tão diversas e influências tão distintas.
Para formar essa nova lista, a primeira e essencial dúvida: lista de mera continuidade, que mantenha vivo um vieirismo sem Vieira? A ninguém faria sentido. Lista inovadora, capaz de deixar pelo caminho todos os seus compagnon de route? Poderia ser demasiado arriscado. Em que medida se consegue o equilíbrio entre a continuidade e a afirmação de autonomia? Um peso e uma medida difíceis de avaliar.
A verdade é que, em poucos dias, Rui Costa ter-se-á dado conta de que o seu primeiro e decisivo exame à liderança do Benfica não seria o do dia das eleições, mas aquele que já tinha começado, sem disso, sequer, se aperceber.
A consciência maior de que já estava a viver um momento decisivo, que pode vir a definir a ideia sobre se quer ser um líder de simples continuidade e, como tal, transitório, ou um líder com agenda própria e com a ambição de deixar marca na presidência do clube, teve-a no momento em que leu a carta de José Eduardo Moniz, a afastar-se do processo. Moniz é um homem da comunicação e aquela carta tem, em cada palavra, o peso exato que lhes quis dar. Daí que só possa ser totalmente entendida, como nas novelas, depois das cenas dos próximos capítulos. Um golpe de antecipação? Uma decisão com ideia numa agenda pessoal futura? Muitas das interrogações que se podem fazer, incluindo as que resultam de «confidências e cumplicidades» trocadas e a «restauração do espírito democrático no Benfica», só serão entendidas na apresentação da lista e do programa que Rui Costa irá apresentar.
APOSTA QUE NÃO SE PODE ADIAR
Recuperar o desporto, em Portugal, em especial, na área decisiva da formação, será a grande e fundamental missão dos clubes e entidades que têm a missão de se dedicarem a uma área estruturante da sociedade. Nada é mais importante do que recuperar, o mais breve possível, os índices de participação regular na atividade desportiva e inverter a tendência de maior sedentarismo, provocada por novos hábitos e novos aliciantes que se oferecem na vida moderna dos jovens. O desporto é a aposta que ninguém pode adiar.
BAIRRO ALTO FORA DE HORAS
Saio do jornal depois da meia-noite. O Bairro Alto está surpreendentemente calmo. Apenas umas dezenas de jovens pasmados, na dúvida de para onde ir, acompanhados pela paciência evangélica de outras tantas dezenas de polícias em missão de controlo da ordem pública, após o encerramento (três horas mais cedo) das portas dos bares. Dias antes, qualquer dia e não apenas ao fim de semana, eram milhares nas ruas, descontrolados e eufóricos, olhando como um ser de outro planeta qualquer cidadão que ousasse usar uma máscara.