Rigor na aplicação das recomendações

OPINIÃO09.08.202206:30

Discordar é uma coisa, injuriar de forma ostensiva é outra, completamente diferente

Ajornada inaugural evidenciou aquilo que, por norma, acontece nestas fases: o rigor dos árbitros na aplicação das instruções que receberam para a nova época. Essa é uma situação normal e compreensível. As indicações estão frescas, está tudo a começar e essa forma de atuar, menos tolerante, reflete a vontade de quererem fazer tudo certo, cumprindo com o que lhes foi pedido. Aconteceu no meu tempo e acontecia antes disso.

Parece-me, no entanto, que essa forma de atuar, para ser eficaz, assenta em dois princípios. O primeiro está do lado dos homens do apito: têm de ser coerentes na forma como impõem esse rigor. E têm de sê-lo em todos os jogos, de todas as equipas, sempre que alguém pise o tal risco inultrapassável. Se não o fizerem, se vacilarem ou facilitarem, correm o risco de ver a sua consistência criticada. As pessoas deduzirão que tanta dureza tratou-se apenas de espuma pontual, sem pulso ou firmeza a longo prazo.

O segundo, que até me parece mais importante, está do lado das equipas e dos seus intervenientes: é que as tais recomendações, que eles conhecem bem porque foram informados, têm uma finalidade preventiva e não punitiva. Ou seja, a chamada tolerância zero que existe, por exemplo, nas perdas de tempo ou nos maus comportamentos dos bancos, não pretende apenas sancionar, mas ter efeito dissuasor. O que se espera é que esse rigor inicial resulte numa mensagem clara sobre aquilo que não pode nem deve ser tolerado. E isso faz todo o sentido.

Ninguém está à espera de ver cartões amarelos e vermelhos disparados para atletas ou elementos técnicos até ao final das provas. Ninguém quer ver advertências e expulsões por queima de tempo ou condutas impróprias cá fora. O que se espera é que os jogadores percebam que o crime não compensa e que não existam comportamentos criticáveis nas zonas técnicas, algo que potencia conflitos em campo e nas bancadas.

Este último aspeto poderá configurar um problema para aqueles que são mais expansivos ou explosivos na forma de estar e trabalhar, mas na verdade a medida oferece-lhes a oportunidade de fixarem os seus próprios limites. Técnicos e restantes colegas de barricada têm de entender que trabalham em equipas de topo, em alta competição, numa montra exposta a um mundo infinito de pessoas. Discordar é uma coisa, injuriar de forma ostensiva é outra, completamente diferente. Percebem que as transmissões televisivas não escondem um único gesto.  Elas mostram cada expressão facial, cada palavra, cada músculo a destilar raiva ou ódio, com detalhe incontornável. O pormenor é tanto que, em casa, todos testemunham aquilo que nem os árbitros conseguem ver ou ouvir no relvado.

É preciso que quem está cá fora jogue também com isso, até em defesa da sua imagem e integridade profissional. É fundamental que aprendam a saber estar num contexto desafiante, por muito que isso contrarie a sua natureza mais reativa ou impulsiva. É mesmo uma aprendizagem: chama-se inteligência emocional.

Por uma só vez, tentem colocar-se no lugar de quem apita: tomam determinada decisão, ouvem uma espécie de bruá, olham pelo canto do olho e veem um banco com toda a gente de pé - de suplentes a dirigentes, passando até pelos quatro elementos do banco suplementar -, a saltar, a esbracejar, a levantar braços, a dizer palavrões, enquanto seguem apressadamente o árbitro assistente ou quarto árbitro. Isso seria ou não suficiente para vos beliscar a autoridade, para vos fazer reagir com recurso às armas que dispõem? Claro que seria.

O futebol, mais do que jogado com os pés ou com o coração, tem que ser jogado com a cabeça. É essa que evita sanções, que melhora a imagem exterior, que lança água em incêndios rebeldes e que, em última instância, ajuda até a vencer jogos. Vão por mim.