Rigidez na estratégia, flexibilidade na tática

OPINIÃO19.10.201804:11

Talvez por estar longe de ser um especialista na matéria fiquei, depois de ler o relatório e contas da SAD do FC Porto, com algumas dúvidas. Muitas delas serão, com certeza, simples casos de ignorância minha destas coisas e outras estão ligadas a realidades que, apesar de não me agradarem, são inevitáveis neste novo mundo de agentes, empresários e demais universos paralelos que rodeiam o futebol.

Eis um exemplo das minhas dúvidas. O nosso orçamento previa que os nossos encargos com jogadores iriam ser reduzidos, face à época de 2016/ aproximadamente 70.000 euros. Afinal subiu mais de 9 milhões (sendo que 6 milhões, como foi referido por Fernando Gomes, dizem respeito, felizmente, a prémios pela conquista do título). Apesar de o orçamento ser o que conta para estes propósitos, carece de explicação a promessa feita pelo nosso administrador financeiro (em declarações à imprensa) de que com a libertação de encargos referente a 26 jogadores a nossa fatura iria descer 20,8 milhões de euros em relação ao ano transato. Há, não tenho dúvidas, uma boa razão para esta disparidade que este quase ignorante em assuntos financeiros não conseguiu alcançar.

Seja como for os nossos custos operacionais atingiram 133.176 milhões de euros. A época de 2017/2018 foi assim a mais cara da história desde que temos uma sociedade anónima desportiva. Apesar das nossas receitas terem subido, um nível de custos deste montante não é, a médio/longo prazo sustentável. Não é novidade para ninguém, claro está.

A resposta imediata de um homem com o brasão abençoado ao peito pareceria evidente: temos de diminuir os nossos custos, mesmo que isso implique uma travessia no deserto em termos desportivos. Já escrevi aqui várias vezes que uma vitória conjuntural não pode pôr em causa a nossa estabilidade futura, que não há campeonato de hoje que valha uma seca prolongada no futuro.

Vivemos, porém, um tempo especial. A realidade do futebol tem-se alterado a um ritmo alucinante e há uma nova ordem que não me agrada, mas que está aí.

O significado das vitórias em campeonatos e as prestações nas provas europeias não contam apenas para o nosso livro de vitórias sem igual, já não servem só para encher de ainda mais glória o nosso amor. É fundamental continuar a mostrar que não há prova futebolística na Europa ou no mundo que se possa dar ao luxo de não ter o grande FC Porto. (Aqui tenho de fazer uma pausa e dizer que sou completamente contra uma prova do género Super Liga europeia ou coisa do género e que penso que se vier a acontecer, o que cada vez mais me parece inevitável, o vírus que pode destruir o futebol como o conhecemos. Mas o mundo é aquilo que é e não o que queremos que ele seja).

Os factos são esmagadores, não há nenhum clube português que se aproxime sequer do curriculum internacional do FC Porto: cinco títulos europeus e dois mundiais. Somos, também, o clube recordista - com mais três dos maiores clubes da Europa - em jogos na Liga dos Campeões e um dos que mais vitórias em jogos nessa competição tem. Não há, de facto, critério desportivo que não ponha o brasão abençoado no topo do futebol europeu. 

Fosse tudo lógico, coerente, sério e se só contasse o que apenas interessa quando se fala de desporto profissional, ou seja, o desempenho desportivo, ninguém precisaria de estar preocupado sobre a presença do FC Porto numa eventual competição europeia que juntasse os melhores clubes. Mas, já se sabe, o dinheiro tem razões que a moral e a justiça desconhecem. O endeusamento do mercado tem adulterado demasiadas coisas, até o mérito e a independência.

Tudo isto para lembrar que os próximos anos são demasiado importantes. Anos em que a prestação da nossa equipa profissional de futebol vai ser muito importante para definir o futuro mais ou menos próximo do nosso clube. E sim, sem ovos não se fazem omeletas, ou seja, sem dinheiro não teremos boas equipas.

Para que não fiquem dúvidas é preciso dizer que não estou a sugerir que se trilhe um caminho de ainda mais endividamento (e esse voltou a subir) ou de loucura despesista. Nada disso. O que quero dizer é que o que está em jogo nos próximos anos é demasiado importante e que o desinvestimento neste momento não é opção. Fundamental é que o investimento seja racional, bem aplicado e que exista uma razão clara e transparente para todos sobre o que se fizer a nível financeiro.

Mas não é só o dinheiro a estar em causa. Nunca fomos um clube endinheirado e sempre conseguimos fazer mais, muito mais, que os ricos deste mundo - basta atentar nas nossas vitórias nacionais e internacionais e nas equipas que vamos sistematicamente batendo na Champions. Como nunca, é crucial que a nossa capacidades de recrutamento e de aproveitamento e gestão de ativos seja mesmo exemplar. Não há margem para, por exemplo, comprar jogadores que passadas duas semanas se emprestam por afinal não serem suficientemente bons ou ficar com rapazes no plantel que no fim da época se vão embora sem deixarem dinheiro nos nossos cofres. Como, sim, não fazia sentido poupar aqueles 20 milhões se eles estiverem a ser gastos em jogadores que andam para aí espalhados e que nada trazem a não ser despesa.

Não há nada nem ninguém que possa estar desalinhado do objetivo estratégico de mostrar que somos desportivamente imprescindíveis em qualquer competição de topo que venha a surgir . Não podemos estar reféns de humores ou de objetivos conjunturais de quem quer que seja e a competência é como, provavelmente nunca, essencial. 

O que se joga nos próximos anos definirá parte importante do futuro do nosso clube.

Mourinho

Desde o primeiro ano do Mourinho no Chelsea que deixei de ser apreciador do futebol do Mourinho e, apesar das vitórias retumbantes que foi tendo, o meu desagrado por aquele jogo tipo consola foi crescendo e cheguei mesmo a um ponto de não querer que aquilo resultasse. Eram só nervos, já me passou.

O Mourinho está a passar uma fase em que tem o mundo inteiro contra ele. Provavelmente não fará diferença, mas espero que ele saiba que a nação portista não é ingrata e que apoia os que a serviram bem e a ajudaram em tão grandes vitórias.