Quem me dera ser menos exigente...

OPINIÃO04.12.201903:00

1 Comecei a ver o RB Leipzig-Benfica a meia hora do fim, no exacto momento em que o Benfica chegou ao 2-0, num bambúrrio de sorte: um contra-ataque de um jogador só, o defesa que escorrega e esse jogador que fica isolado para caminhar para a baliza e fazer o golo. Também o primeiro fora um golo vindo de uma oferta de um defesa e, embora ambos fossem bem aproveitados, olhando do ponto de vista do adversário, é daquelas coisas que se diz que não podem acontecer na Champions. Pelo meio, o azar de um grande remate de Pizzi à trave e a grande sorte de um descaradíssimo penálti, que seria acompanhado de cartão amarelo-alaranjado, que nem o árbitro nem o VAR quiseram ver. Depois, na segunda parte, um remate do meio-campo, a aproveitar o adiantamento do guarda-redes, daquele espanhol com pinta de matador de toiros, e não de golos, e que responde por iniciais de rádio local. E foi tudo. A meia hora final a que eu assisti foi um massacre angustiante, interminável, quase humilhante. O Benfica nada mais fez do que defender com onze dentro ou junto à área, de pontapé para a frente e fé na Virgem. Caiu com dois golos no prolongamento, mas podia e merecia ter caído bem antes. E assim disse adeus à Champions e, provavelmente também, à Liga Europa.

Mas onde eu antecipava dias de profunda depressão do povo benfiquista fui descobrindo, afinal, sinais de uma invejável capacidade de auto-recuperação e auto-motivação. Primeiro, logo trataram de se declarar, como habitualmente, candidato fortíssimo a vencer a Liga Europa - para a qual nem sequer ainda estão apurados; depois, fizeram todo um circo à volta da renovação do contrato com Rúben Dias, o réu principal da derrota da antevéspera em Leipzig, como se todo o planeta futebol andasse atrás dele (só para renovar com Bruno Lage é que ainda não houve tempo...); a seguir, a Direcção tratou de passar uns recados para o exterior de que mais uma frustração na Champions deveria ser posta em contexto, pois a verdade é que o Benfica tinha feito uma «excelente» exibição em Leipzig durante 90 minutos, só tendo empatado no prolongamento perante um dos «grandes» da Europa; enfim, de volta ao colinho do lar, os 4-0 perante o dócil Marítimo eram a demonstração de que continuava a morar ali uma grande equipa, vinda  da mina de ouro do Seixal, jogando um grande futebol, na iminência de voltar a ser campeão nacional e logo, logo, voltar aos altos voos europeus. Ah, quem me dera ser assim!

2 Infelizmente, para este efeito, eu sou portista. Subscrevo o que outro portista, Paulo Teixeira Pinto, aqui escreveu: tempos houve (e não foi assim há tanto tempo) em que para ganhar na Suíça a uns tipos chamados Young Boys, o FC Porto não tinha de sofrer tanto nem fazer-nos sofrer tanto. E não serve de desculpa nem o relvado sintético nem um árbitro declaradamente hostil ao azul. Durante 76 minutos, até quebrar a resistência daqueles boys, o FC Porto teve muita posse de bola, muitos passes, muita circulação, muito rodopio, muito atrás e muito à frente, muito nada. Já se tinha visto isto ultimamente e voltou a ver-se depois, anteontem, no Dragão: o FC Porto não sabe como atacar. Tem um défice inacreditável de criatividade e eficácia na construção de jogadas de golo e de posicionamento para o remate. O único tipo de jogo que ali aparece treinado e ensaiado são as bolas paradas e não é por acaso que, dos 24 golos na Liga, 13 foram obtidos dessa maneira - um trunfo que acabará no dia em que alguém descobrir que Alex Telles está entre os melhores cinco defesas esquerdos do mundo. Como não é por acaso a sistemática insistência nas bolas em profundidade directamente dos defesas para os avançados, ignorando o meio-campo. O meio-campo é o ponto morto desta equipa e a justa afirmação de Loum como titular trouxe consigo mais um equívoco de Sérgio Conceição: não quis ver que o que Loum provou é que podia jogar com vantagem no lugar de Danilo, não ao lado de Danilo. Assim, o que aconteceu é que em vez de sair Danilo, saiu Luis Díaz, um dos raros médios criativos e rematadores. Dois médios defensivos para enfrentar em casa o penúltimo da classificação, mais um Corona empenhado na sua pior época de sempre, deram num jogo tão chato, tão estéril e tão falho de emoção que, não fosse o fabuloso golo de Zé Luís, candidato certíssimo a Prémio Puskas da FIFA, e era caso para pedir desculpas sentidas aos heróicos adeptos que enfrentaram o frio daquela noite para assistir a espectáculo tão deplorável.

Não, o FC Porto não está bem. Uma equipa que tem muita posse de bola mas que não sabe o que há-de fazer com ela, para mim, não está bem. Uma equipa que nunca parece ter pressa de chegar à frente e cuja concepção de velocidade atacante se esgota nas bolas em profundidade lançadas para as correrias do Marega, assim como as grandes oportunidades de remate são os cabeceamentos saídos dos cantos cobrados por Alex Telles, a meus olhos, é uma equipa sem plano de jogo ofensivo. Venham os especialistas dizer o que quiserem. Eu posso ser, se calhar, demasiado exigente, mas também sei ver futebol. E há muitos anos que vejo atentamente os jogos do meu clube. Há tempo mais do que suficiente para poder dizer que isto é muito, muito pouco. E, como não sou benfiquista, não me chega...

3 Disse Vítor Oliveira, pondo o dedo na ferida, que o Sporting tem poucos jogadores de talento. Na verdade, até foi simpático. O Sporting tem dois jogadores de nível médio: Renan Ribeiro, que é guarda-redes, e Mathieu, a quem deve a última Taça de Portugal mas que está em final de carreira, e tem um jogador fora de série, que é Bruno Fernandes - consensualmente, o melhor jogador do campeonato e talvez mesmo o melhor jogador português da actualidade.

4 Lionel Messi, pois claro. Lamento muito porque parece que é proibido dizê-lo, mas nunca houve nem voltará a haver um jogador como ele. Sorte temos nós em ser seus contemporâneos.

5 Entrevistado pelo Libération, Rui Pinto disse uma coisa gritantemente óbvia e comprometedora: que, desde que foi preso, nunca mais se ouviu falar das investigações ao Benfica - o saco azul através do qual o Benfica reuniu milhões em cash (para quê?), as declarações de vários jogadores de vários clubes de que tinham sido abordados em nome do Benfica para «facilitarem», a troco de dinheiro, nos jogos dos seus clubes contra o clube da Luz. Esta afirmação de Rui Pinto é comprometedora para ambos os lados: para ele, porque equivale a uma confissão de que era ele o autor do Mercado do Benfica, onde parte destas informações vinham a público; e para a investigação judicial, sobre a qual Rui Pinto lança a insinuação de que a sua prisão serviu, antes de mais, exactamente para travar essas revelações comprometedoras para o Benfica. Insinuações à parte, uma coisa é incontornável: nunca mais se ouviu falar das investigações ao Benfica. E isso deixa no ar uma interrogação imediata: será que estão à espera que a gente se esqueça, que as testemunhas partam todas para longe ou que os alegados crimes prescrevam?