Quando todos os verões eram quentes
No tempo em que os animais falavam - e não é que não falem agora -, os pêssegos eram de roer ou de largar caroço e não paraguaios, as peras rochas eram desdenhadas na procura e não exportadas, as uvas eram pisadas porque era o único produto com que se sabia fazer vinho, a sardinha era a grande arma do povo contra a fome e todos os verões eram quentes e significavam três meses de férias para os estudantes.
Com os anos, as coisas mudaram. O verão quente tornou-se sinónimo de balbúrdia no oeste, pelo menos desde que em 1975 o patriótico e glorioso MFA (Movimento das Forças Armadas) se partiu ao meio em pleno PREC (Período Revolucionário em Curso) e se confrontou numa promessa de guerra civil que, felizmente, não se viria a concretizar, afundando o protagonismo de Otelo ou de Vasco Gonçalves, tirando das páginas da História o presidente Costa Gomes e fazendo emergir a imagem assustadora de um general talhado a canivete e de óculos escuros com o nome de Ramalho Eanes, do qual ainda não se suspeitava um notável sentido de humor.
Esse foi, pois, o nosso primeiro verão quente, assim considerado na nova era em que os verões, em regra, deixaram de ser quentes e se tornaram, apenas, oceanicamente mornos e monótonos.
Cinco anos depois do verão quente de 1975 tivemos um novo verão quente, a norte do país e, mais concretamente, concentrado no velho estádio das Antas. O presidente do FC Porto, Américo de Sá, figura, aliás, respeitável da família conservadora da política nacional, não admitia o desvario de um jovem turco que tinha a mania de desafiar o poder central de Lisboa e atacava o Benfica como se fosse o grande inimigo e o quisesse varrer do país e do mundo.
O jovem tinha a rebeldia própria dos meninos teimosos dos colégios religiosos e foi corrido do FC Porto por indecente e má figura. O nome: Jorge Nuno Pinto da Costa.
Havia, porém, um problema não devidamente avaliado por Américo de Sá. Pinto da Costa estava aliado com José Maria Pedroto, que pediu a demissão e ambos contaram com o apoio revolucionário de quinze jogadores, de Gomes ( o bibota) a António Oliveira; de Lima Pereira e Freitas a Sousa. Quinze desertores que se recusavam a treinar até a ordem revolucionária ser imposta. E ganharam.
Treze anos depois, o verão quente mudou de região e desceu a Lisboa, assentando praça no estádio da Luz, onde os cofres não tinham mais do que o cimento com que tinham sido feitos. Não havia dinheiro, Sousa Cintra morava ao lado e lançou uma operação que dava para, de uma só paulada, vingar-se de Eusébio e de Futre.
Jorge de Brito (o histórico presidente) e Manuel Barbosa (o histórico empresário) combinaram um esquema de salvação nacional e conseguiram recuperar João Vieira Pinto, tal como impediram Vítor Paneira e Rui Costa, entre outros, de debandar para o Sporting.
Mais vinte e cinco anos e caímos em pleno 2018, no primeiro verão quente deste século, com o epicentro no estádio de Alvalade.
De um lado, as tropas de Bruno, o absoluto; do outro, o exército da salvação democrática.
Amanhã se saberá quem ganhou a importante batalha do Oriente Lusitano, que já foi pavilhão multiusos e hoje, significativamente, é chamado de Arena.
Entre mortos e feridos se encontrará o perdedor e o vencedor, mas este pode vir a ser um verão quente sem decisão final. Tanto em 1975, na questão política e militar, como nas disputas de 1980 e de 1993, ficou muito claro quem foi o vencedor e não deu ensejo a prolongar a agonia da guerra. Desta vez, porém, não há certeza de que quem ganhar esta batalha ganhará a guerra.
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