Quando os Santos não fazem os trabalhos de casa
1 - Se estiver enganado, peço desde já desculpas ao meu vizinho alentejano Fernando Santos. Mas eu fiquei com a impressão que ele subestimou a preparação do jogo com a Ucrânia. Talvez porque não fosse decisivo, embora importante, talvez por achar que não havia muito de diferente com que se preocupar. Mas a minha impressão começou logo após a pífia vitória contra o Luxemburgo, quando Fernando Santos declarou que não havia tempo para treinar para o jogo com a Ucrânia e que o essencial era fazer descansar os jogadores (que não estariam assim tão cansados, depois daquele treino contra os grão-duques). A coisa continuou na véspera do jogo de Kiev, quando o selecionador caprichou naquele tipo de declarações absolutamente vagas e formatadas para não dizer nada, que são o habitual nestas ocasiões, por parte dos treinadores. Aí, fiquei com a sensação nítida de que Portugal não tinha nenhum plano de jogo preparado e que navegaria à vista, conforme as circunstâncias. Sensação que mais se acentuou quando um jornalista (que tinha de ser ucraniano) lhe fez a pergunta que eu esperava e ele deu a resposta que eu esperava: que jogadores da Ucrânia temia mais? Resposta: a Ucrânia vale pelo colectivo.
Disse o selecionador, no final, que a equipa tinha abdicado de jogar pelas alas, puxando todo o jogo ofensivo para o centro, quando o combinado era o inverso. Mas custa a acreditar em tal combinação, olhando para o esquema inicial escolhido: Bernardo Silva na direita, mas invariavelmente flectindo para o centro, numa exibição lastimável, sempre perdido em fintas e mais fintas; Ronaldo, como é habitual na Selecção, a jogar pelo meio e não a partir da ala esquerda, como joga nos clubes; e Gonçalo Guedes, teoricamente encostado à ala esquerda, um lugar que lhe é estranho e de onde fugia também para o centro, sempre que podia; e depois, na segunda parte, mais uma aposta falhada em João Félix, numa posição que não é de médio ofensivo, nem de ala, nem de ponta-de-lança, e que nem ele saberá qual é, de tão perdido que andou sempre, até ao ponto de ser um estorvo - como quando cortou um remate de Bruno Fernandes, que o apanhou a vaguear pela área ucraniana, à procura sabe-se lá de quê. (A verdade, a incómoda verdade, é que, por ora, João Félix não tem lugar na Selecção - ao contrário de Bruno Fernandes, que, inexplicavelmente, o seleccionador deixou de fora quase até final).
Tudo visto, até acho que foi um bom jogo de futebol, com velocidade e emoção, mas em que, de um lado, estava de facto uma equipe, jogando como tal e com um plano de jogo pré-definido, e, do outro lado, estavam onze artistas, claramente superiores aos adversários, mas cuja sorte colectiva ficou à mercê dos rasgos de génio individuais. Não foi por acaso que Fernando Santos referiu como primeira oportunidade de golo nosso um livre de Ronaldo - que é tudo menos uma ocasião de golo construída em equipa. Aliás, Ronaldo fez mais uma soberba demonstração da sua imprescindível função nesta equipa, o que não deixa de ser preocupante para o futuro a médio prazo, sobretudo porque é consensual que de há muito que Portugal não conseguia reunir um lote de jogadores da qualidade destes. A par de Ronaldo, destaco também as excelentes exibições dos dois portistas presentes em Kiev: Pepe, que parece cada vez mais novo e mais rápido a jogar, e Danilo - o Danilo da Selecção, que é infinitamente melhor que o Danilo do FC Porto. Mas os três juntos não chegaram para evitar uma derrota que o jogo mostrou ser perfeitamente escusada e evitável.
2 - A SAD do FC Porto regressou aos lucros na época 2018/2019: 9,5 milhões. Essa é a boa notícia do relatório de contas apresentado, todas as outras são lastimáveis e preocupantes. É preocupante saber pela boca do administrador financeiro, Fernando Gomes - o mesmo que assistiu e participou, impávido, na ruína recente da SAD - que o orçamento para a época que decorre assentou fundamentalmente na convicção de que a equipa de futebol disputaria a Champions, onde se esperava uma receita não inferior a 50 milhões. Ou seja, foi um orçamento feito a contar com o ovo no cú da galinha. E, porque o ovo não estava lá, só existe um plano-B, anunciado com o maior dos à-vontades por Fernando Gomes: facturar 65 milhões em vendas, até ao final da época. Porém (e esta é a parte lastimável), como bem notou António Casanova aqui, n’ A BOLA, se no final desta época, o FC Porto apenas encaixou 38,7 milhões das vendas de 70 milhões efectuadas - com o resto a ficar nas comissões, encargos e outras portas esconsas que nunca são franqueadas completamente - então, para encaixar 65 milhões, vai ser preciso facturar pelo menos 100. Ou seja a menos que apareça um «milagre Félix», é toda a equipa de futebol, ou a parte valiosa dela, que vai ter de ser despachada.
De facto, a SAD do FC Porto parece ter aprendido a gerir finanças com o Estado Português: tudo está do lado da receita, nada do lado da contenção de despesas - que aumentam sempre, haja crise ou falência técnica ou não haja. É o caso dos próprios vencimentos dos administradores da SAD, aumentados mesmo quando o clube está sob as restrições financeiras impostas pela UEFA: Pinto da Costa, por exemplo (e suponho que também os restantes) viu o seu vencimento anual aumentado em 5%, de 609 mil para 641 mil euros. Pior ainda é a questão dos prémios, de que já aqui falei em outras ocasiões. Custa-me a entender a justificação para que os administradores da SAD recebam prémios de desempenho quando o clube de futebol conquista alguma coisa E dantes, (suponho que agora já não), até recebiam prémios por um terceiro lugar no campeonato! E custa-me a entender por quatro razões fundamentais: porque não foram eles que estiveram em campo ou no banco a conquistar títulos; porque não é legítimo que uma Sociedade Anónima ande a pagar prémios aos administradores sem jamais ter pago um euro de dividendos aos accionistas; porque, se ganham prémios quando são campeões, então deviam igualmente ser penalizados quando o não são; e, finalmente, porque me parece insustentável que recebam prémios numa empresa que vive cronicamente endividada e que, ano sim, ano não, está sob iminência de falência técnica. A isto acresce que, se eu acho que os administradores devem ser remunerados num montante que pague a sua dedicação exclusiva à SAD, acontece que as remunerações da SAD do FC Porto já são mais do que suficientes para garantir isso. Segundo escreveu A BOLA (e, até agora, não vi que fosse desmentido), entre vencimento e prémios, Pinto da Costa recebeu, no último exercício, um total de €1, 141 M - ou quase 100.000 euros por mês. E cada um dos outros administradores, para além do seu generosíssimo vencimento anual, ainda recebeu 280.000 euros em «prémios de desempenho». Incluindo Fernando Gomes, o responsável directo por este lindo desempenho financeiro. Será possível?
Disse Fernando Gomes, que teria sido possível, em anos anteriores, «melhorar substancialmente os resultados financeiros, sacrificando a competitividade da equipe, mas o objectivo da SAD e do presidente é ter uma equipa que permita ter sucesso desportivo». Ou seja, e por outras ficcionadas palavras: «só podemos ser campeões arruinando-nos num ano e vendendo tudo no ano seguinte». Bem, se a isto se chama gerir, há muitos que o fariam melhor e bem mais barato…