Prazerómetro

OPINIÃO05.08.201804:00

Com a disputa ontem da Supertaça Cândido Oliveira - homem notável, desportista de referência e cidadão consciente e com uma força cívica impressionante, como nos deu conta o saudoso Senhor Homero Serpa numa biografia que vale a pena ler e reler! - arrancou oficialmente a nova época desportiva nacional. A europeia já arrancara e determinou a eliminação, bem precoce, do Rio Ave, que não deixa de ser um novo alerta acerca da capacidade competitiva externa do futebol português. Agora, na próxima semana, teremos as presenças europeias de Benfica e Sporting de Braga e, depois, já na sexta-feira o arranque de uma nova Liga, com as suas ambições e os seus sonhos, os seus prazeres e as suas dores. Sabemos bem que as dores humanas são séculos, os prazeres instantes. Até sabemos que o prazer se mede. O Hermínio, o Paulo e eu próprio, ali na Cave Real, escutámos, deliciados, o sempre portista e conquistador Joaquim, narrar, com a sua perícia de conhecedor da vida, o conceito de prazerómetro. E a narração, que até perturbou o bom Alberto, levou-nos a Rousseau: «O homem que não conhece a dor, não conhece a ternura da humanidade.» Deixemos, hoje, as dores. A saída do Jonas, por excelência. Parece que em cada Agosto um benfiquista tem sede de sofrer. Sofre com o calor que nos sufoca e sofre com a anunciada partida de um jogador marcante nos últimos anos na história conquistadora do Benfica. Com a consciência, neste tempo benfiquista de reconquista, e com a recordação de Goethe, que «aprender dominar é fácil, a reinar é difícil»! Deixemos a dor. Por ora. Tenhamos a ambição de um duplo prazer num Estádio da Luz, cheio de fervor - logo com muito colinho! - nas próximas terça e sexta-feiras. Terá de ser, mesmo, uma dupla jornada conquistadora. Um duplo prazerómetro! Para uma dupla reconquista. Uma reconquista numa confortante presença europeia e um arranque para uma reconquista do título nacional. E o prazer é sempre legítimo. Sendo, por vezes, como bem sabemos, filho da angústia! E sabendo também que, por vezes, correndo em busca do prazer, tropeça-se na dor! Coisas da vida. Da nossa vida!

Imenso prazer tivemos todos no passado domingo com a conquista do Europeu de sub-19. Um intenso prazerómetro! Sabemos bem que foi uma vitória merecida e que poderia ter sido resolvida antes do prolongamento. Como também não devemos ignorar que foi uma conquista que determinou uma calorosa receção do parte do sempre entusiasmante Professor Marcelo Rebelo de Sousa e que motiva algumas legítimas dores de algumas Federações desportivas com atletas que também se sagraram, em diferentes modalidades, campeões europeus ou, até, Mundiais. Mas a força do futebol aí está. A todo os níveis, e em especial, no relevantíssimo espaço mediático. E este espaço determina comportamentos, delimita procedimentos e suscita reconhecimentos. Foi um título merecido de uma nova geração de ouro do nosso futebol. Mas na conquista não estiveram - e poderiam ter estado! - outros grandes nomes da mesma geração que, por exemplo, Rui Vitória e Sérgio Conceição chamaram para a pré-temporada das equipas principais: Gedson Fernandes, João Félix e Diogo Leite. A que acrescem Diogo Dalot e Rafael Leão. Cinco ausentes-presentes! Jogadores de excelência. Diria, permitam-me, quase que indiscutíveis titulares. A sua não presença permitiu que outros brilhassem, que outros se mostrassem ao mundo, que outros exigissem, pelo talento evidenciado, que novas portas se abrissem. João Filipe e Francisco Trincão, Rúben Vinagre e Florentino , José Gomes e Diogo Queiroz, Domingos Quina e Nuno Santos, entre outros, proporcionaram-nos um prazer imenso e intenso. E, agora, importa que todos eles continuem a jogar todas as semanas. A jogar com intensidade. A jogar com o sonho de chegarem, um dia, a titulares da nossa principal seleção de futebol. É este o prazer supremo de um futebolista português! O supremo prazerómetro!

Hoje não teremos, como previsto, a Volta a Portugal na Torre. Apenas a subida às Penhas Douradas. Percebe-se a decisão da organização tendo em conta o intenso calor que nos sufoca e condiciona. Mas a Volta é sempre a Volta. Nesta edição a Volta foi ao Algarve e ao Alentejo mas o calor apertou demais. Mas desde 1927 que temos Volta. Nessa primeira edição - cujo regulamento guardo religiosamente! - tudo começou e terminou em Lisboa. Foi a Sines e a Odemira, foi a Coimbra e a Vigado. Onde houve um dia de descanso. Como agora acontece em Viseu. E o interessante é que houve, nesse ano, duas Voltas. Uma oficial - em Abril -, organizada pelos jornais Sports e Diário de Notícias. E uma outra, em Maio, organizada pelo jornal Sporting do Porto! Já nesses anos havia uma disputa, bem acesa, entre Lisboa e Porto. Sem esquecermos que até o Benfica organizou a Volta de 1947! Para mim, na adolescência, a Volta era um tempo de libertação. De Viseu à Serra da Estrela é um salto. Com estradas com muitas curvas mas com um prazer intenso. Paragens para saborear um queijo da Serra único e um chouriço de embalar. E um fresquinho para tudo sedimentar! E agarrava os bonés lançados e esperávamos pelo carro vassoura para sabermos que tudo terminara nesse dia. E era o regresso, por Nelas ou por Mangualde, a Viseu e sem que a Feira de São Mateus - como ocorre agora! - estivesse quase a abrir portas! O certo é que, este ano, serão 626 anos a feirar! O cheiro da Volta, de cada uma, levou-nos a ler e a ver as epopeias de Fausto Coppi , Jacques Anquetil e de Eddy Merckx, mais tarde de Hinault e Induráin. E por cá recordo, entre outros, clubes como Sangalhos e Sicasal, Ginásio de Tavira e Águias de Alpiarça, Bombarralense e Torreense. Sem esquecer Sintra e a família Janota e também no pos-volta o circuito de Nafarros. A par dos três grandes, mais o Boavista e o Louletano. E, agora, e para mim, e em razão de uma amizade que é um prazer de verdade, a W-52! Com Raul Alarcón a envergar, desde ontem, a amarela e com o cumprimento bem especial do nosso querido Presidente da República! Ele que mencionou que a etapa de ontem foi uma etapa pela VIDA! Mas nas Voltas, nas minhas Voltas, lá estarão sempre referências únicas como Joaquim Agostinho e Alves Barbosa - na sua escola aprendi a andar de bicicleta! -, Marco Chagas e Joaquim Gomes, Venceslau Fernandes e Orlando Rodrigues, Vítor Gamito e Manuel Zeferino, entre tantos outros. Sem esquecer a grande rivalidade que o saudoso Senhor meu Pai me relatava entre José Maria Nicolau e Alfredo Trindade e, mais tarde, já com minha vivência e memória, o prazer da conquista de Peixoto Alves e a presença garbosa de João Roque. Tento não faltar a cada edição de uma Volta. Na berma da estada lá estou. Olha a amarela, grita-se. Leva-me ao Portugal onde cresci e vivi, a curvas que não esqueço, a povoações maravilhosas, a gente simpática e afetuosa. Porventura a pinheiros ou a sobreiros que, com muita dor, já não existem. Mas um prazer que ano após ano renasce. Vamos à Volta! Que prazerómetro!

Também não concebo, como o Professor Marcelo Rebelo de Sousa, Portugal sem Volta. A organização, na pessoa do Joaquim Gomes, merece um abraço apertado. A RTP, nas pessoas do João Pedro Mendonça, Marco Chagas e também do Gonçalo Reis, uma saudação bem especial. A Volta é um verdadeiro prazerómetro. Lá estaremos o Hermínio e o Paulo, o João e eu, em Sernancelhe na próxima quarta-feira. Da minha Viseu à terra natal do extraordinário Aquilino Ribeiro é uma viagem no tempo, um abraço intenso numa literatura de excelência. Cinco réis de gente, Quando os lobos uivam ou Portugueses das sete partidas são livros para (re)ler neste Verão. Que prazerómetro!