Porque nada é assim tão fácil
Depois de avanços, recuos e muitas críticas, a UEFA abriu na semana passada a porta a que federações e ligas possam dar por encerradas, se e quando assim entenderem as respetivas temporadas sem qualquer sanção na participação nas provas europeias em 2020/2021. Terá entendido, e bem, Aleksander Ceferin que não fazia sentido (nem lhe ficava nada bem) obrigar toda a gente a concluir o que falta jogar de 2019/2020 quando em causa está algo muito maior do que o futebol. Com esta decisão a UEFA deixará que governos, federações e ligas decidam aquilo que entenderem melhor tendo em conta o cenário que enfrentam, que como se sabe não é igual em todo o lado. Ainda assim, embora deixe ligas e federações mais confortáveis quando à decisão de como acabarem os respetivos campeonatos, a UEFA só admite aprovar essa solução em casos que cumpram pressupostos bem definidos. E é aqui, embora não pareça, que a coisa se complica - nada de novo, tudo o que envolva o futebol tem sido, no último mês e meio, de uma complicação extraordinária...
O primeiro critério a que quem deseje terminar já as suas competições tem de obedecer é haver uma justificação plausível para que isso aconteça. Inatacável será se essa decisão partir das autoridades de saúde, como acontece nos Países Baixos, onde o governo decretou que só volta a haver futebol a 1 de setembro; ou, por exemplo, em ligas em que a dependência dos clubes do dinheiro relativo aos direitos televisivos seja irrisória, o que equivale a dizer que jogar o que falta, sem público nas bancadas, traria mais prejuízo do que benefício. Até aqui nada de particularmente relevante, não será, nunca, esse o problema. As verdadeiras dúvidas chegam a seguir.
A primeira exigência da UEFA depois de confirmados os motivos que motivam a decisão de acabar de forma prematura as competições é que deverão ser «os órgãos competentes relevantes a nível nacional» a indicar os clubes que participarão nas provas europeias da próxima época, «tendo por base o mérito desportivo em 2019/2020». Este último ponto é claro e acaba com especulações: se os campeonatos não terminarem em campo não vale a pena pensar em usar a classificação da época passada ou algum tipo de ranking para tomar decisões. Terão, federações ou ligas, de encontrar uma conclusão que leve em conta o que aconteceu esta temporada, seja a classificação no momento em que as provas foram interrompidas ou a que se verificava no final da primeira volta. Entendam-se e decidam, diz a UEFA sem o dizer. E é aqui, neste entendam-se e decidam que reside a verdadeira questão.
Voltemos a olhar para o caso dos Países Baixos. O governo determinou que o futebol não volta esta época. Ponto final. O principal pressuposto para dizer à UEFA que o campeonato acabou está cumprido. Decidiu a federação que sem campeão. Muito bem, foi essa a decisão. Agora vem o resto. Quem vai às provas europeias? A resposta parecia simples: os cinco primeiros, que são as vagas a que o país tem direito na UEFA. Problema: o AZ - que dividia a liderança com o Ajax, ficou sem hipótese de discutir a primeira vaga na Champions devido à diferença de golos - e o Utrecht - que estava em sexto e fica fora da Liga Europa - já disseram não concordar com o critério de atribuição das vagas europeias e ameaçam, mesmo, recorrer aos tribunais para garantirem aqueles que consideram ser os seus direitos. Simples? Nada mesmo. Porque envolve muito dinheiro. E tudo o que envolva muito dinheiro nunca é assim tão simples. Imagine-se que, daqui a uns meses, um tribunal lhes dá razão?... O que acontece a seguir?
Agora imaginemos que acontecia o mesmo em Portugal? (Ninguém parece admitir esse cenário, mas não o descartemos...) Imagina o que seria? E sendo a Liga, um «órgão competente relevante» neste caso, comandada pelos clubes, chegaríamos, algum dia, a uma conclusão? Bem, se calhar há mesmo coisas em que mais vale não pensar...