Pernas ou caras de pau!...

A perna de pau é um tipo de membro artificial, vulgarmente designado por prótese, feito em madeira, destinado a substituir um membro inferior natural, extirpado por qualquer razão. Culturalmente, as pernas de pau estão associadas à figura dos piratas, nomeadamente em livros, banda desenhada, filmes e desenhos animados. Não há como esquecer a canção «eu sou o pirata da perna de pau, de olho de vidro e cara de mau»!
Não esquecer também a histórica, mas ainda viva, relação entre o Pirata e o Perna de Pau, misturas de vinhos generosos com gasosa, que serviam de aperitivo a muita gente, outrora no número 15 da Praça dos Restauradores e hoje no 35 da Morais Soares!

Mas voltando às próteses, os materiais destas evoluíram de tal forma que hoje até permitem aos seus utilizadores a prática de diversas atividades desportivas. Não confundir, no entanto, com a expressão perna de pau com que por vezes (ou demasiadas vezes) nos referimos a um jogador de futebol inábil e, por analogia, qualquer indivíduo medíocre ou desajeitado no que faz.

Também não há que confundir a perna de pau com a cara de pau, já que não há, que eu saiba, próteses de madeira ou outro material para substituir a cara! Cara de pau é a expressão que se usa, vulgarmente, para designar aquele que não tem escrúpulos ou vergonha, e, ainda por cima, é atrevido!

Os caras de pau estão associados a todos os sectores da sociedade, designadamente, à política e ao desporto, e, em particular ao futebol! Caras de pau não faltam e deviam pagar um imposto especial para equilibrar o orçamento de Estado!...

Continuando a minha viagem pela internet, detive-me a seguir, por associação de ideias, no significado da palavra inglesa hacker! Verifiquei com surpresa que a palavra, inicialmente, nada tinha a ver com piratas ou pirataria, significando alguém que é «adepto da subcultura de tecnologia e programação», «alguém que é capaz de subverter a segurança do computador », mas que se o fizer com fins ilícitos antes é designado como um cracker. Um hacker pode não ser um pirata que, este sim, é normalmente um marginal que anda no mar com o objetivo de promover saques ou pilhagens para obter riqueza e poder. Os mais conhecidos piratas da história são os Piratas do Caribe, cuja época áurea ocorreu entre os séculos XVI e XVIII.

Os piratas deste milénio navegam noutros mares, sem perna de pau, mas com cara de pau. Nalguns casos chamam-lhes toupeiras, julgando eu que se trata das toupeiras cegas, pois elas penetram na justiça que, por natureza, é cega.

Estava eu todo ligado ao computador, nesta reflexão absurda, quando fui despertado pela televisão por um comunicado da SAD do Benfica, que nos dava conta da saída do Dr. Paulo Gonçalves daquela sociedade anónima desportiva por «razões de natureza pessoal, em especial a necessidade de se dedicar à sua defesa num processo judicial, em nada relacionado com o exercício de funções que lhe estavam confiadas na Sport Lisboa e Benfica - Futebol, SAD». Isto é, segundo a minha interpretação, foi para o seu escritório de advogado (sito na mesma morada do escritório do advogado da Benfica SAD no processo e-toupeira) tratar da sua defesa num processo judicial em nada relacionado com o exercício das funções que lhe estavam confiadas naquela sociedade.

Admito, sem qualquer custo, que a Benfica SAD não contratou Paulo Gonçalves para praticar 1 crime de corrupção activa, 1 crime de oferta ou recebimento indevido de vantagem, 6 crimes de violação do segredo de justiça, 21 crimes de violação de segredo por funcionário, 11 crimes de acesso indevido, 11 crimes de violação do dever de sigilo e 28 crimes de falsidade informática, mas sim para assessorar o presidente do conselho de administração a ele reportando diretamente.

No entanto, faz-me alguma confusão como é possível conciliar a prática de factos relacionados com a Benfica SAD, ainda que não relacionados com o exercício das funções que lhe estavam confiadas nesta sociedade, mas durante esse exercício, susceptíveis de constituir 1 crime de corrupção activa, 1 crime de oferta ou recebimento indevido de vantagem, 6 crimes de violação do segredo de justiça, 21 crimes de violação de segredo por funcionário, 11 crimes de acesso indevido, 11 crimes de violação do dever de sigilo e 28 crimes de falsidade informática,  e, simultaneamente, agradecer «o desempenho do Dr. Paulo Gonçalves no exercício das suas funções ao serviço desta instituição e reconhecer o profissionalismo, a lealdade, a integridade e a dedicação demonstrados ao longo de 12 épocas desportivas e até hoje»!!!

Quer dizer: se amanhã um empregado meu praticar no meu escritório os mesmos factos de que Paulo Gonçalves é acusado, ainda que não tenha nada a ver com eles por não lhe ter dado autorização ou consentimento para os praticar, mas envolvendo necessariamente o meu bom nome e a minha dignidade, acham que eu lhe reconheço profissionalismo, lealdade, integridade e dedicação ou o mando para o olho da rua, ainda que previamente lhe tenha de instaurar um processo disciplinar? Bem dizia o falecido árbitro Vitor Correia que já tinha visto tudo, inclusivamente um porco a andar de bicicleta, só lhe faltando ver a bicicleta a andar de porco!...

Ainda há uma semana, a propósito das eleições do Sporting Clube de Portugal a que concorri, e comentando o meu resultado, disse que o meu tempo acabou. Queria referir-me ao meu tempo para ser presidente daquela instituição. Não me queria referir aos princípios e valores em que fui criado e segundo os quais me fiz homem. E com os quais quero morrer. Não me revejo, não me quero rever, naquilo que a administração da SAD do Benfica reconhece ser profissionalismo, lealdade, integridade e dedicação. Não pode ser bom profissional, leal, íntegro e dedicado quem se desvia das funções que lhe foram confiadas para outras que não estas. Mas se continua a considerar, apesar desse desvio, bom profissional, leal, íntegro e dedicado quem, com esse comportamento desviante, lhe causa danos na reputação, é porque cauciona essa sua atividade com interesse para a Benfica SAD! Se a SAD do Benfica nada tem a ver com aquilo, para quê separar defesas e logo a seguir convidá-lo para a tribuna de honra, olvidando o provérbio «diz-me com quem andas, dir-te-ei quem és»?!!!

A SAD do Benfica, aproveitando-se do tipo físico de Paulo Gonçalves, resolveu dividi-lo em duas personalidades: à que exerceu funções que lhe foram confiadas, com profissionalismo, lealdade, integridade e dedicação, aceitou o pedido de demissão e continua a convidá-lo para a sua tribuna de honra; à que durante o mesmo tempo exerceu uma actividade que não lhe foi confiada, na qual a Benfica SAD não tinha interesse e que o Ministério Público considera criminosa, não abala o profissionalismo, a integridade, a lealdade e a dedicação, e muito menos lhe retira um lugar na tribuna de honra, ao lado das grandes figuras da história do Benfica.

Acabou o tempo dos piratas da perna de pau, de olho de vidro e cara de mau. É tempo dos homens e das toupeiras com cara de pau!...