Perigo no futebol das discussões idiotas

OPINIÃO18.08.201804:00

Um bom amigo perguntava-me, há poucos dias, o que pensava eu do crescimento da influência das opiniões, discussões e revelações, em grande parte falsas ou transviadas, que se podem ler nas redes sociais. E eu disse que me preocupam, enquanto cidadão do mundo, mas não me afetam enquanto pessoa. Há muito tempo que esclareci, comigo mesmo, o problema. Vejo o que entendo que vale a pena ver, tal como sucede numa escolha de cinema, de livro, de jornal ou de televisão. Não meto as redes sociais no lixo, mas não perco um segundo com esses passageiros frequentes da opinião idiota.

Eu percebo que, para muita gente, as redes sociais funcionem como um género de atração sexual pelo seu próprio ego e façam da masturbação de um pensamento débil uma excitação pública, mas não me afeta, nem me prejudica. Não ignoro, sequer, a existência, apenas a desprezo. Porém, preocupa-me porque não desconheço o impacto que pode ter (e tem) numa sociedade impreparada e que, cada vez mais, não perde tempo em criar o que quer que seja, porque entende que a vida se basta na repetição do que se conhece, tal como, aliás, aprende, hoje, nas escolas e faculdades, que ensinam a repetir o que já se conhece e raramente ensinam a pensar e a criar o novo.

Dito, isto. É verdade que as redes sociais tresandam de discussões triunfalistas de um analfabetismo desportivo, que de tudo falam, de clubes, de dirigentes, de jogadores, de treinadores, de árbitros (muito), de jornais, de televisões, de decisões da justiça, de táticas, enfim, de tudo o que, num momento de exaltação, passa, sem deixar rasto, pela cabeça de alguns desses patológicos idiotas que têm, sempre, uma opinião definitiva sobre todas as coisas do universo.

O problema está naqueles incautos que  ouvem, leem e acreditam que vale a pena perder tempo (um segundo, que seja) com a discussão alarve,  com o vazio teórico desses «cretinos fundamentais» como lhes chamava o inimitável Nelson Rodrigues.

Dizem-me que, apesar de inúteis, muitas dessas discussões, algumas transpostas para broncos programas televisivos de entretenimento, preocupam certa classe dirigente e alguns qualificados membros de órgãos oficiais com responsabilidades no futebol português. A ser assim, percebe-se uma das principais razões pela qual essa classe dirigente não pensa a sério o futuro do futebol nacional e o deixa assim à deriva, afastando-se dia após dia, mês após mês, ano após ano, do hemisfério mais desenvolvido do futebol mundial.

Clama-se, por aí, agora, a surpresa brutal e traumática de tão cedo termos perdido dois representantes nacionais (o Rio Ave e o SC Braga) no futebol europeu, derrotados por adversários que se julgava futebolisticamente analfabetos, mas a verdade é que não há razão para tanta surpresa. O futebol português atrasa-se perigosamente dos outros e de si próprio; e mesmo que sobrevivam níveis de alguma qualidade competitiva nos maiores clubes nacionais, coisa que não é seguro que aconteça, o sucessivo enfraquecimento competitivo interno, devido à penúria financeira e à política de dramática dependência das pequenas e médias associações desportivas transformadas em sociedades pouco anónimas e muito subservientes nivela qualquer prova nacional por baixo e não deixa margem ao crescimento e à evolução, roubando melhor proveito à boa qualidade da formação de jogadores, de treinadores e de árbitros.

Pensar com método e sentido de estratégia o futebol português é, hoje, a urgência maior da espécie. Discuti-lo ao nível do sectarismo doentio que por aí se vê é, apenas, contribuir para o retrocesso.