Pep e o Abu Dabalúrdio City
Pep Guardiola continua a sua extraordinária via sacra rumo ao trono de maior treinador da sempre: à frente do Abu Dhabi City ganhou o oitavo título de campeão nacional em dez épocas efetivas (perdeu uma Liga para José Mourinho, outra para Antonio Conte) com a segunda melhor pontuação da história da Premier - 98 pontos! - apenas suplantada pela que tinha conseguido há um ano (cem pontos). Contra isto nada pôde um super Liverpool que, além de uns inacreditáveis 97 pontos, teve a melhor defesa, o melhor guarda-redes, o melhor central e o melhor jogador da época (Virgil van Dijk, eleito por jogadores, treinadores e jornalistas) e os dois melhores marcadores da prova (Mo Salah e Sadio Mané, ao lado de Aubameyang, todos com 22 golos). Deve custar horrores perder assim, mas o que é facto é que o City não fraquejou na reta final e ganhou os últimos 14 jogos com indiscutível mérito e autoridade. Em termos domésticos é incontestável o domínio da equipa criada pelo génio de Pep Guardiola e, muito importante, pelos milhões que escorrem da torneira inesgotável do xeque Mansour bin Zayed, membro da família reinante no Abu Dhabi, o Emirado Árabe proprietário do clube. Bin Zayed é o mecenas que gastou 976 milhões de euros a construir o atual plantel de Guardiola, o mais caro da história do futebol (note-se que os reforços indicados por Pep, que chegou ao City no verão de 2016, totalizam apenas 580 milhões, contra os 435 milhões gastos por Klopp desde que chegou ao Liverpool) e o homem que vai bancar mais uns largos milhões na aquisição de reforços da estirpe de Bruno Fernandes, o médio sportinguista de quem se diz estar na órbita dos campeões ingleses. Não se discute a qualidade de Guardiola, tão óbvia é, nem da larga maioria dos jogadores por ele indicados. Mas é muito mais fácil brilhar quando se tem como patrão um estado com recursos infinitos disposto a fazer-nos todas as vontades e contra todas a regras que presidem - e condicionam, como sempre disse Arséne Wenger - a atividade dos clubes normais, quer dizer, aqueles que estão sujeitos às regras financeiras e contabilísticas correntes.
No próximo sábado, em Wembley, Guardiola pode juntar mais um feito glorioso ao seu impressionante currículo (acaba de ultrapassar os 25 títulos do rival Mourinho) se vencer a final da Taça de Inglaterra contra o Watford. Se acontecer, como é provável, o City será a primeira equipa inglesa a ganhar todas as competições na mesma época. Um superpleno fantástico que colocará automaticamente o onze de Guardiola - onde brilha o talento e a irreverência de Bernardo Silva - ao lado de outras equipas míticas na história do futebol inglês - o Liverpool de Bill Shankly e de Bob Paisley, o Man. United de Matt Busby e de Alex Ferguson, o Arsenal de Herbert Chapman e de Arsène Wenger, o Nottingham Forest de Brian Clough, o Chelsea de José Mourinho, o Leeds de Don Revie, o Tottenham de Bill Nicholson…
A sombra deste luminoso conto de fadas em que se transformou o Abu Dhabi City de Mansour bin Zayed e Josep Guardiola continua a ser a Champions, onde os blues, como os primos milionários do Qatar-PSG, não conseguem passar da cepa torta apesar de possuírem o plantel mais caro da história. A Champions não se compra com sucessivas injeções de milhões, como se comprova pelos três anos de consecutivos insucessos do City, que começam a pesar na imagem de Guardiola até por contraste com a classe internacional do rival Liverpool que, sob o comando de Jurgen Klopp, já vai na segunda final seguida na Champions depois de alcançar a final da Liga Europa na época de estreia do alemão. A orelhuda só pode ser o próximo grande objetivo de Pep se entretanto a UEFA não suspender o Abu Dhabi City das competições europeias por irregularidades no financiamento da equipa pelos patrocinadores árabes ligados diretamente ao dono do clube. São os riscos que corre quem pratica concorrência desleal.