Pecados de um tal Canal

OPINIÃO17.08.201904:00

A Federação Portuguesa de Futebol lançou o canal 11. Anunciava um propósito: contribuir, através de uma plataforma televisiva, distribuída pelos três operadores do mercado, para o crescimento e a evolução do futebol em Portugal. Seria, pois, um canal oficial de um órgão com estatuto de utilidade pública e, como tal, não se desviaria da sua função institucional. O objeto proposto era admissível. Vários clubes por esse mundo fora, incluindo Portugal, têm os seus canais, que substituíram os antigos e obsoletos jornais de clube. A FPF, que muito cresceu à custa de competências reconhecidas e de ideias consequentes, tinha vontade e generosos meios financeiros próprios para criar e produzir um projeto televisivo institucional de qualidade, com a vantagem de poder ser um canal de todos os clubes e de todas as associações nacionais.


A prometedora solução, porém, gerou um problema. Não um problema menor, mas um enorme problema. E das duas uma, ou o projeto não conseguiu evitar a tentação do desvio para a comercialização do canal e dos seus conteúdos naturalmente exclusivos, ou assim mesmo foi pensado de início e o que se anunciava, na génese, não só não correspondia à ideia fundadora do projeto, como, mais grave, escondia a verdade.
Para alguém, como eu, que há muitos anos lavra terreno nestes campos por vezes inóspitos da comunicação social, não se pode, no entanto, falar de uma surpresa. Era esperado, até pelo nível de valor humano e económico das contratações feitas, que o 11 fosse, desde o seu mediático início, o que realmente é: um canal televisivo de futebol que pode, mais breve do que se pensa, derivar para um canal televisivo de desporto, em geral. E assim temos, não um canal de televisão institucional, com a benévola e quase missionária intenção de acrescentar valor à imagem do futebol português, mas um canal meramente concorrencial com os canais televisivos existentes, sejam eles de desporto, caso de A BOLA TV, sejam generalistas que, hoje em dia, tratam o desporto, ao nível da televisão por cabo, sem qualquer cerimónia em atropelar todas as regras do objeto a que se propõe um canal generalista.


Tornando-se manifestamente um canal com uma visão comercial e concorrencial, num tempo em que os media portugueses lutam contra uma crise quase insustentável no setor, torna-se óbvio que o 11 se arrisca a tirar valor ao futebol, na medida em que objetivamente subtrai dimensão aos órgãos de comunicação existentes. Poderá dizer-se: paciência, é a lei do mercado. Verdade, desde que a Federação Portuguesa de Futebol assuma a sua clara intenção de ser também uma empresa de comunicação, algo que dificilmente acontecerá, porque a FPF sabe que a utilização em seu único benefício dos conteúdos próprios que o sistema desportivo nacional lhe confere e autoriza a produzir, no âmbito de um órgão de utilidade pública e com a específica função do desenvolvimento do futebol do país e da gestão das suas seleções nacionais de futebol, não é, nem nunca poderá ser, compatível com o avantajado aproveitamento desse estatuto para fins manifestamente comerciais.


Não discuto a ideia inicial da bondade do projeto, mas discuto e critico aquilo em que esse projeto se transformou. O Canal 11 tem uma estrutura própria de uma empresa de comunicação, tem um objeto editorial próprio de um canal que conquista audiências à custa da exclusividade de conteúdos assentes na produção de jogos e de provas desportivas que lhe estão conferidas por delegação do estado e com o dinheiro gerado pelas seleções nacionais de futebol de todos os portugueses.