Passo de Kipchige

OPINIÃO26.10.201904:00

O que significa uma maratona em menos de duas horas, como conseguiu Eliud Kipchoge, eu não consigo entender. Tentei e fui assoberbado pela dimensão da coisa, quase como se tentasse compreender a infinitude do universo. Pedi ao Rogério Azevedo, meu companheiro aqui em A BOLA, que me ajudasse a colocar o momento em perspetiva, como tão bem ele costuma fazer:


- Para perceberes o que ele fez tens de começar por esquecer aquele teu tempo que fizeste em 10 km, lá naquela corridinha em Almada de que estás sempre a falar…
- Atenção que foram 42 minutos e 44 segundos! - recordei-lhe, orgulhoso.


- Pensa antes assim: quanto tempo achas que demoras a correr 100 metros?


- Nunca contei mas arrisco dizer que uns 17 ou 18 segundos. Por aí, julgo.


- Se assim fosse, para fazeres a maratona no tempo dele tinhas de fazer, ininterruptamente, 422 corridas de 100 metros a essa velocidade.
É verdade que Eliud Kipchoge o fez ajudado, num ambiente controlado, com lebres também de elite durante toda a prova, piso e calçado especiais, tudo o imaginável para ganhar segundos. Justamente por essa artificialidade é justo que o tempo seja relativizado como recorde. Porém, é precisamente aí, no empreendimento coletivo, que eu vejo uma emocionante humanidade, bem acima do mero significado desportivo que me escapa. Dificilmente noutra modalidade pode canalizar-se tanto esforço e sonho para um homem só. É como colocar um homem na Lua e ouvir Armstrong dizer: «É um pequeno passo para um homem, um salto gigante para a humanidade.» O próprio Kipchoge o disse: «Fomos à Lua e voltámos.»


Se se pensa que isso é desporto, não creio que seja. É tão grande que talvez seja, então, aceitável não conseguir compreender o que é. É ir à Lua, sim. E é também o efeito da Lua em nós.