Parabéns e obrigado, ‘mister’
A BOLA atribuiu ao Sérgio Conceição o título de homem do ano. Nada mais justo. Para este portista, porém, o nosso mister foi muito mais do que isso: é o treinador mais importante do FC Porto da última década.
Sei bem o significado do que acabo de escrever. Nesta década, André Villas Boas venceu todas as provas, inclusive uma taça europeia, e o Vítor Pereira venceu dois campeonatos. Mas o Sérgio Conceição não tinha o Hulk, o Falcão e o James; e o grande Vítor Pereira ainda apanhou a construção de um verdadeiro império do mal no seu princípio e tinha jogadores habituados a vencer. O nosso atual mister herdou uma equipa sem a rotina de vitória, com muitos jogadores descrentes que eram vistos - e provavelmente se viam - como segundas escolhas, dentro de um enorme aperto financeiro. Mais, estava construído um andor reluzente puxado por tudo o que é poder fático e institucional para levar o Benfica até ao penta. E hoje sabemos as missas que foram precisas celebrar para os quatro campeonatos anteriores. Não, não é em vão que o Presidente Pinto da Costa afirmou que a vitória do ano passado valeu como se fosse outro penta.
Como não tenho memória só para aquilo em que acerto, lembro-me de não ter ficado propriamente eufórico com a escolha do meu Presidente - que convém recordar é o único responsável pela sua vinda e que sempre disse que a escolha do treinador é sempre a decisão mais importante para o clube. Como nunca culpo ninguém pelas minhas opiniões, nem comunicação social nem supostos especialistas, digo apenas que estava redondamente enganado e, para não variar, o meu Presidente estava coberto de razão.
Já aqui destaquei aquilo que penso serem as enormes qualidade táticas e técnicas do mister. Dentro delas saliento a sua flexibilidade tática e a de não estar preso a ideias preconcebidas. Não se prende a um esquema ou a uma fórmula. Cada jogo é um desafio novo e ele é alguém que não fica preso a um modelo quando o que vê à sua frente lhe diz que esse não está a resultar. Já vimos a equipa num jogo mudar de 4x4x2 para 4x3x3 e vice versa, já assistimos a um modelo de duplo pivot ser alterado em pleno jogo e um sem número de variantes táticas que, até por vergonha, me abstenho de analisar.
O mister Conceição fez, e continua a fazer, algo com os jogadores que tem que parecendo normal não é tão comum como isso, até em treinadores de grandes equipas: potencia as qualidades naturais dos jogadores e não tenta fazer de um rapaz aquilo que ele não é nem nunca poderá ser. E se aplica isto aos jogadores individualmente considerados, faz a mesma coisa com o conjunto - o que há para aí de treinadores que só conseguem obter resultados se lhes derem apenas os homens para o modelo que têm a cabeça... A forma como a nossa equipa joga terá, com certeza, raiz nas convicções dele, mas estou convencido que é por as características dos rapazes que encontrou serem o que são que a equipa joga da forma que joga. E é bom lembrar que não foi ele que ajudou a reunir a esmagadoríssima maioria do atual plantel (o que é normal; nenhum treinador em nenhuma situação deve ser o responsável último pela montagem total de um plantel; quando está deve ter uma palavra fundamental na vinda de novos jogadores, mas um clube não pode fazer e desfazer plantéis inteiros em função de um treinador, como é evidente). Não duvido que o mister tem uma visão do jogo em que se privilegia a dimensão física, os duelos individuais, a verticalidade nas ações ofensivas, mas era capaz de jurar que se o plantel que encontrasse fosse outro era homem para montar uma equipa de posse, de passe curto e de muitas mais triangulações. Mais, tenho a certeza que ninguém o faria melhor do que ele.
Um treinador, porém, que chega a um grande clube tem de ser mais, muito mais do que um grande tático, um especialista em todas as áreas de treino e tudo aquilo que se adquire através do conhecimento empírico ou científico. Tem de ser um líder. Alguém que consegue fazer de uma equipa um corpo. Isso, num grupo que tem naturalmente pessoas com salários diferentes, qualidades diferentes, ambições diferentes, perceções de qual deve ser o caminho certo diferentes, não é tarefa para qualquer um. Aliás, quase nada distingue um treinador de uma equipa de um grande clube de presidente de uma grande empresa ou de um treinador de outra equipa de outro desporto qualquer. Estou certo, por exemplo, que os melhores treinadores da NBA ou de uma das principais equipas de rugby dariam bons treinadores de futebol.
A grande diferença é que um clube como o FC Porto é muito mais que uma equipa de futebol ou que todas as equipas de todos os desportos que jogam com a camisola azul e branca. O líder da nossa equipa tem sempre de perceber que tem de levar todos os portistas para dentro de campo. É vital para as vitórias que consiga que façamos parte desse tal corpo. Aquela equipa será sempre a nossa, nós seremos sempre a alma do brasão abençoado, mas queremos sentir que os valores que são os nossos estejam a lutar por cada bola, a fazer cada carrinho, a marcar os golos. Assim tudo será mais fácil. Seremos também nós mais empenhados, mais fortes e mais disponíveis. Nós não somos fãs, não somos simples adeptos como são os de uma qualquer equipa profissional de qualquer outro desporto ou de uma qualquer sociedade anónima. Não é conversa de cântico futebolístico: o FC Porto é mesmo a nossa vida.
O Sérgio Conceição trazia essa vantagem. Ele sabia o que nós somos, não precisou de aprender. Ele sabia que juntos, equipa e portistas, somos uma força avassaladora e fez uma equipa à nossa imagem. Não é, com certeza, em vão que a roda é feita e sempre junto dos adeptos. Não é em vão que parece aceitar as críticas dos portistas (imagino que não goste e as ache, e às vezes com razão, injustas), ele sabe que só o amor as move. Não é em vão que tem sempre uma palavra para o mar azul.
O Sérgio Conceição para este sócio do FC Porto é muito mais do que o homem do ano ou o treinador da década, é muito mais do que um fantástico treinador: é o irmão portista que nos levou outra vez para dentro do campo. Obrigado, mister.