Otávio, 23 anos, defesa-central brasileiro do FC Porto
Otávio, 23 anos, defesa-central brasileiro do FC Porto (Foto: Imago)

Otávio lesou o FC Porto, sim, mas em campo

OPINIÃO27.04.202510:20

'Hat trick' é o espaço de opinião semanal do jornalista Paulo Cunha

O distanciamento dos factos ameniza sempre a análise e o que ontem era grave e motivo para segredo de estado transforma-se hoje em tema partilhável e capaz de provocar até alguns sorrisos.

«Um dia chegámos para treinar e estava um ringue no fundo do campo. Ficámos todos a olhar uns para os outros. Estava tudo montado para o treino, os pinos, os cones, tudo no seu sítio, e ao fundo do campo estava um ringue de boxe», assim começou Emídio Rafael, em entrevista ao Mais Futebol, em 2022, a desfiar rol de memórias em que André Villas-Boas era ator principal.

«O mister chega, ‘bom dia’ e tal, ‘o treino vai ser isto e isto, vamos fazer isto’ e depois muito sério diz: ‘Aquele ringue ali ao fundo é para quando vocês quiserem andar à porrada. Não há problema nenhum. Vocês querem andar à porrada porque se chatearam num exercício? Os dois que se chatearam saem, não prejudicam o exercício nem os vossos colegas, vão ali para o ringue e matem-se. Não me f... é o treino’», contou o antigo lateral-esquerdo que integrou o plantel do FC Porto na época de ouro de 2010/11 com direito a quatro troféus (Liga, Taça de Portugal, Supertaça e Liga Europa), goleada de 5-0 ao Benfica e festa de campeão às escuras na Luz. 

AVB é hoje presidente sentado na cadeira de sonho, Jorge Costa, noutros tempos capitão de equipa, o diretor para o futebol profissional.

«Um dia o Jardel foi sair à noite e um dirigente do clube soube. Ligou ao Jorge Costa e perguntou-lhe: 'Vamos buscar o Jardel?', ele respondeu-lhe: 'Não, deixa que sejamos nós' e fomos buscar o Jardel à discoteca», confidenciou, muitos anos depois, Sérgio Conceição, mais um episódio que teria feito correr rios de tinta se fosse tornado público à data dos acontecimentos.

Dois exemplos, entre tantos, tantos outros – basta passar os olhos por entrevistas ou livros autobiográficos de uma série de protagonistas do universo azul e branco para descobrir histórias proibidas que entretanto prescreveram –, de que nem tudo foram rosas nas temporadas que conduziram o dragão à glória.

Com Villas-Boas ao leme e, antes, Jorge Costa, Sérgio Conceição e Jardel em destaque nos relvados, rostos visíveis de duas das inúmeras colheitas de Porto Vintage, os aniversários festejados fora de horas e demais violações do regulamento interno relativizavam-se pelas conquistas nas quatro linhas. O importante era um bem supremo – o sucesso do FC Porto.

Não por acaso, Martín Anselmi sublinhou a bold, na antevisão ao duelo frente ao Estrela da Amadora, a palavra… compromisso. O profissionalismo no desporto-rei, em todas as latitudes, está cheio de crónicas de bons malandros, uns capazes de comer a relva na hora da verdade, outros tão negligentes em campo como fora dele.

Compromisso, lembra-se? E não é por pisar o risco num par de ocasiões que o compromisso de um jogador deve ser colocado em causa, embora a entidade patronal não possa fazer vista grossa – quantas vezes isso se terá verificado, inclusive no FC Porto, na altura em que as redes sociais e os telemóveis com câmaras eram ficção científica e nada se sabia?… – e tenha de atuar. Como? Da forma que mais dói ao prevaricador, ou seja, na carteira com pesadas multas, exceto se a reincidência for regra e obrigar a medidas extremas.

Se os dragões estivessem a lutar pelos milhões da Champions, já nem digo pelo título, e os foliões apanhados às cegas na Boavista fossem Diogo Costa, Alan Varela, Rodrigo Mora ou Fábio Vieira também se pediria a cabeça deles com a mesma facilidade que se pede a de Otávio? Aqui só para nós, o maior dano que o defesa-central brasileiro provocou não foi na festa dos 23 anos, onde ele mais lesou o FC Porto acabou por ser em campo com erros atrás de erros.