Os sabedores em tronco nu
São tempos curiosos, estes. Estava eu a reler o Sapiens de Yuval Noah Harari, mas desta vez em formato de novela gráfica, e reparem bem numa coisa que ele por lá explica: «As evidências mostram que o nosso cérebro diminuiu desde os dias em que éramos caçadores-recoletores. Com o dealbar da agricultura e mais tarde da indústria, os indivíduos passaram a ter menos conhecimento porque podiam contar com o talento dos outros para sobreviver.» Os primeiros humanos sabiam mais coisas, eram mais versáteis. Hoje, cada um de nós sabe fazer apenas uma coisa numa estrutura. Eu sei conduzir, mas não faço ideia de como se faz cada uma das partes de um carro nem quem se envolve no processo. Há segmentação.
Ou havia, melhor dizendo. Porque, se repararmos bem, o novo homem que está aí, o digital, volta a ter tanto contacto com conhecimento, verdadeiro ou falso, que se julga capaz e sabedor de tudo. Há uma inversão no sentido desta nossa evolução, ou uma regressão. Por isso, misturamos tudo com uma ligeireza chocante. Sabemos de tudo ao mesmo tempo, questionamos as profissões e os conhecimentos dos outros como nunca antes. Ver figurinhas imbecis a entrar no capitólio dos EUA, ocupando espaços e mesas de legisladores com pretextos ordinários e cânticos de guerra é o mais triste sinal dos tempos. Antes, que me lembre, só havia uma determinada matéria acerca da qual todos sabíamos tudo: o desporto, pela familiaridade possível da prática, pela própria anatomia. Sempre nos pareceu que podíamos fazer aquilo que fazem os grandes atletas. Agora há cada vez mais gente a achar que a matéria de especialização dos outros é coisa de somenos, é coisa acerca da qual todos sabemos o mesmo. Nem tudo é futebol, malta.