Os miúdos contam

OPINIÃO26.01.202103:00

Em meia dúzia de meses, com Rúben Amorim, o Sporting percebeu que a aposta na formação vale a pena. No Benfica, com Jorge Jesus, a opção é comprar feito

B que de mais agradável retive da final da Taça da Liga foi a resposta de todos os jogadores utilizados pelos dois treinadores, associada a uma corajosa entrega em condições particularmente adversas que o mau tempo apenas explica em parte. Um jogo com enorme visibilidade merecia outro relvado, que valorizasse o futebol e protegesse os futebolistas. Estranhamente, porém, nem uma coisa nem outra foram acauteladas, mas tudo correu bem. Naquele absurdo pantanal, ambas as equipas preocuparam-se em fazer o seu  trabalho, o melhor que lhes foi possível, com empenho e lealdade assinaláveis.  
Em dois lances muito semelhantes, curiosamente construídos no mesmo cantinho do relvado em que os atores encontraram palco para se exibirem e a bola rolou sem sobressaltos, no primeiro, Porro marcou e, no segundo, Iuri Medeiros não marcou, porque valeu a intervenção de Adán, e entre o sucesso e o insucesso nestas duas situações, meros detalhes, se escreveu a história de um jogo de gente valente, já sobejamente analisada e comentada, em que ambos os emblemas mereceram ganhar, mas, havendo que escolher um, a sorte, porque não há campeões sem ela, e creio que mais sólida estruturação mental para compreender o inimigo comum, a chuva copiosa (e suas consequências),  justificam, em pleno, a entrega  do troféu ao Sporting.

N A projeção desta final, o treinador leonino brincou com a estrela que o acompanha, numa alusão, talvez, ao jogo com os bracarenses, em Alvalade, que o Sporting venceu por dois-a-zero, depois de muito sofrimento.
Amorim não é a estrela do leão, nem um novo leão da Estrela, celebrizado no filme de António Silva, como, em tom prazenteiro, lhe chamou Vítor Manuel, em A BOLA TV. É tão só um jovem treinador em início de carreira que quer marcar o território, mostrar a sua identidade e impor a sua competência.  
Está a revelar-se pela diferença, que surpreende pelo espírito arejado com que aborda a competição e pelas ideias renovadoras e atrativas com que constrói o seu discurso, tal como o futebol que a sua equipa pratica: alegre, que dá prazer e é eficazmente demolidor. Um futebol que se entende e cuja principal riqueza reside, precisamente, na sua simplicidade, embora muito difícil de contrariar, como preconiza o professor Jorge Castelo.
Sérgio Conceição e Jorge Jesus, habituados a uma discussão a dois quando o tema é o título nacional, distraíram-se. Deixaram escapar o leão e, agora, apanhem-no, se puderem, como já alertei neste espaço semanal.

QUEM também esteve muito bem foi Luís Neto, na conferência de Imprensa, com uma comunicação lúcida e ponderada. Apoiado na experiência que os 32 anos atestam, na sequência de uma carreira feita maioritariamente na Rússia, à custa do esforço e valor que o elevaram até à Seleção, permitiu-se a considerações de uma oportunidade elogiável e que retratam com fidelidade o momento particularmente feliz por que passa o futebol leonino, o qual escolheu um rumo e definiu um estratégia que visa a valorização da juventude, embora respaldada no conhecimento e na segurança que uma organização defensiva trintona lhe confere.  
A simbiose que se pretende, nas devidas proporções, conduziu à vitória na Taça da Liga. Um título para todos os efeitos, conquistado, maioritariamente, com a prata da casa, dando-se especial relevância à formação, a qual, robustecida por outros praticantes selecionados com rigor e pela sábia velhice de que Luís Neto faz parte, passa a ser olhada pelos adeptos com a confiança que talvez ainda faltasse.
Daqui em diante tudo fica mais fácil, pois, como sublinhou Neto, foi com toda esta gente jovem que se festejou em Leiria. Na final diante do SC Braga o Sporting utilizou Gonçalo Inácio, João Palhinha, João Mário, Nuno Mendes, Tiago Tomás, Jovane Cabral e Matheus Nunes e teve no banco de suplentes  Luís Maximiano e Daniel Bragança. Nove elementos que aprenderam e cresceram em Alcochete. Foi o primeiro título dos miúdos, prova de que a aposta vale a pena e será para continuar.

E M meia dúzia de meses do consulado de Rúben Amorim, o Sporting conseguiu o equilíbrio desejado, de modo a extrair o máximo aproveitamento da sua academia em benefício da estrutura profissional, equilíbrio esse pelo qual o presidente do Benfica, um apaixonado pelo trabalho desenvolvido no Seixal, luta há muitos anos e ainda não atingiu. Nem é previsível que o atinja em futuro próximo porque Jorge Jesus é um treinador que prefere comprar fora em fez de formar dentro. É uma questão de mentalidade…
O Liverpool inaugurou o novo centro de treinos no fim do ano passado e Jurgen Klopp teve este comentário interessante: «A relação com a academia vai ser mais próxima do que nunca e isso é muito bom. Mal posso esperar por ver os miúdos da formação nos treinos.»
Elucidativo, os miúdos contam. Rúben Amorim tem essa sensibilidade e a família leonina está-lhe agradecida.