Os cuidados a ter com João Félix

OPINIÃO11.03.201900:04

João Félix é (não pode negá-lo quem for capaz de colocar as clubites de lado e olhar para o futebol com a imparcialidade com que ele merece ser olhado) um fenómeno. Não sei se, aos 19 anos, é uma mistura de Rui Costa e Kaká, como disse Jorge Jesus. Sei que tem, por trás daquela cara de miúdo que nos faz perguntar se não devia, ainda, estar a jogar nos juniores, um talento fora do comum. Sei que consegue, pela forma como corre, como passa e como define, entusiasmar quem gosta de bola. E sei que pode, de facto, chegar muito longe. Mas sei, também, que tem apenas 19 anos. E embora revele, já, uma maturidade acima da média, não podem (os benfiquistas e não só) pedir-lhe que carregue, sozinho, uma equipa como o Benfica às costas. Ouvi, depois da derrota das águias em Zagreb, quem dissesse que os miúdos tinham entrado, na partida com o Dínamo, «de salto alto». Por miúdos referiam-se, não é preciso ser especialmente brilhante para percebê-lo, a João Félix, que teve - tal como teve toda a equipa - uma tarde para esquecer. É, parece-me, injusto. Primeiro porque estão, ao dizê-lo assim, a colocar-lhe um rótulo de vedeta (no sentido mais perverso da palavra) que João Félix não fez, pelo menos até agora, por merecer. Segundo porque estão a exigir a um miúdo que tem, convém não esquecer, apenas uns meses de ribalta que resolva, sozinho e em todos os jogos, os problemas que a equipa não consegue resolver. Não há, convenhamos, muitos jogadores no mundo que consigam ganhar jogos sozinhos. São, até, muito poucos. E nenhum deles o fazia com apenas 19 anos. Pedir que João Félix o faça é o pior que se lhe pode fazer. É claro que quanto mais alto se sobe maiores são as expectativas. Faz parte. Mas convém que se tenha - os benfiquistas em especial - a noção de que não se pode, nunca, pedir a um jogador tão jovem que faça, sempre, tudo bem. Mesmo que esse jogador se chame João Félix.

JOÃO FÉLIX será, também, o primeiro grande teste ao projeto de um Benfica europeu  com base na formação do Seixal aos sete ventos apregoado por Vieira. É normal que os grandes tubarões não larguem o Estádio da Luz, prontos para perceber o que vale, efetivamente, aquele que será a maior promessa do futebol português para os próximos anos. Será, também, normal que um deles (ou vários, até...) percam a cabeça e se cheguem à frente com os 120 milhões de euros necessários para levar João Félix sem grandes conversas - é muito, sim, mas como está o futebol não é impossível. Há, pois, duas questões que colocarão à prova quão sério leva o presidente do Benfica a promessa de segurar pelo maior número de anos possível os principais talentos do Seixal:


1 - Conseguirá Luís Filipe Vieira resistir às propostas que, decerto, lhe chegarão e que, mesmo não batendo a cláusula de rescisão, serão certamente suficientes para pulverizar o recorde de maior transferência do futebol português?


2 - Mais importante, talvez: conseguirá o presidente encarnado convencer João Félix a ficar pelo menos mais um ano no Benfica, o que envolverá, sempre, um substancial aumento de ordenado que pelo menos o compense pelo que perderá a nível financeiro se preferir permanecer na Luz?


Vieira disse, há não muito tempo, que estava o Benfica em condições de responder sim às duas perguntas. Veremos daqui a uns meses se é mesmo assim.

Tem o Benfica a seu favor - partindo do princípio que tem primeiro, lá está, os pressupostos financeiros, necessários para consegui-lo - um argumento que pode pesar na decisão de João Félix, que também terá, convém lembrar, uma palavra importante a dizer acerca do seu futuro: exemplos de jogadores a quem se apontava grande futuro e que viram a carreira estagnar por terem dado um passo maior do que a perna. O caso mais evidente é o de Renato Sanches, que depois de um ano de sonho na Luz - que culminou com a conquista do título de campeão europeu pela Seleção Nacional em França - se mudou, também com 19 anos, para o Bayern, com os resultados que se sabem. Não quer isto dizer, atenção, que o mesmo acontecerá com João Félix se deixar já o Benfica. Cada caso é um caso e pode ter Félix argumentos, futebolísticos e não só, que lhe permitam lidar melhor com uma mudança tão drástica em fase tão prematura. Mas o caso de Renato Sanches - e de muitos outros jovens jogadores portugueses - deve fazer pensar bem aqueles que têm a função de cuidar da carreira de futebolistas que, jogando como homens, não passam de miúdos. O dinheiro não é tudo. E, se crescerem de forma sustentada, acabará sempre por chegar, eventualmente com mais felicidade. Isto vale para João Félix e para todos os outros miúdos que vão aparecer, no Benfica ou noutro clube qualquer. Nem sempre o caminho mais rápido é o melhor para se chegar ao destino.