Olhò robô!
Estará o futebol a ‘matar’ os artistas? Não só o lado físico mas também o mental!...
N INGUÉM me tira da cabeça que o sacrifício a que os jogadores de futebol de topo têm sido sujeitos, sobretudo no último ano e meio, pelo excesso de competição e consequente falta de descanso, e ainda pela pandemia, que tão profundamente afetou as vidas de todos nós, conduz o jogo para terrenos perigosos.
Ainda esta semana o diretor de A BOLA, Vítor Serpa, veio igualmente pôr o dedo numa ferida a que, pelo menos aparentemente, nenhuma entidade responsável pelo futebol parece dar importância, num editorial («Os riscos do excesso de jogos») no qual aproveitou para chamar a atenção para o silêncio de grande parte dos jogadores de topo, afinal de contas os mais atingidos pelo tremendo desgaste, muito em particular num ano de pandemia que teve, já, uma fase final de um Campeonato da Europa, mais a final four de mais uma Liga das Nações, mais uma Copa América, mais, e mais, e mais…
Nem todos, porém, têm escondido a cara, e além de muitos treinadores (como é, reconhecidamente, o caso de Sérgio Conceição, que em Portugal terá sido, até agora, o que mais vezes vem levantando a voz contra o ritmo intenso a que se joga…), lembro que ainda recentemente coube a Thibaut Courtois, guarda-redes titular da seleção belga e do Real Madrid, lançar um ataque à UEFA, a propósito da inenarrável realização do jogo de atribuição do 3.º lugar na Liga das Nações, jogado entre a Bélgica e a Itália.
«Este jogo é dinheiro extra para a UEFA, temos de ser honestos. Vejam quantas alterações foram feitas nos onzes de ambas as equipas. Se estas seleções estivessem na final teriam sido outros a jogar. Isto demonstra que fazemos demasiados jogos», disse Courtois.
«A UEFA criou mais uma competição, a Liga Conferência. É mais do mesmo. Podem ficar incomodados quando outras equipas querem uma Superliga, mas para os jogadores é indiferente. Eles (UEFA) só pensam no dinheiro», acrescentou, atirando-se também à FIFA.
«É mau que não se fale dos jogadores. E agora querem fazer um Europeu e um Mundial todos os anos. Vamos descansar quanto? Nunca! Não somos robôs. São mais e mais jogos e menos descanso para os jogadores e ninguém quer saber. No próximo ano temos o Mundial em novembro e vamos terminar a época em junho outra vez. Vai haver lesões. Três semanas de férias não são suficientes para os jogadores que estão 12 meses em competição ao mais alto nível. Não podemos realmente ficar calados. Ou será sempre a mesma coisa», concluiu o internacional belga.
O risco é o de estarmos todos a contribuir para transformar o espetáculo do futebol numa espécie de circo romano, onde vale todo o sacrifício do atleta em prol do rendimento financeiro e do prazer de quem assiste. Cuidado: podemos até achar piada, mas não me digam que ver grandes equipas levarem cinco é que faz bem ao futebol. Não creio que seja!
Os que jogam muito ficam sem força; os que jogam pouco não ganham ritmo. É um problema que me parece difícil de gerir para os treinadores. Não há jogadores insubstituíveis? Talvez não. Mas, como sempre, há uns mais insubstituíveis que outros. E, na maioria das equipas, há jogadores absolutamente nucleares, que mais vezes contribuem para decidir os jogos, sem os quais as equipas baixam claramente de rendimento. Ou são demasiados espremidos e rebentam; ou não jogam e as equipas ressentem-se.
Claro que estamos a falar das equipas que jogam campeonato, taças, competições europeias e ainda fornecem (mais ou menos) jogadores às seleções. É infernal, imagino, e, sem querer estar a justificar o que quer que seja, tudo isso também ajudará certamente a explicar as quebras de rendimento, intensidade, capacidade das equipas, e de vez em quando lá somos surpreendidos com o grande e poderoso Bayern de Munique a levar cinco do Moenchengladbach, como o Liverpool já tinha levado sete do Aston Villa na temporada passada, ou o City também cinco do Leicester, ou o Barcelona oito do Bayern, em Lisboa (com Messi, lembram-se?...), para citar apenas casos flagrantes de equipas que em condições normais dificilmente perderiam por números desses.
Espera-se que os jogadores assumam, na realidade, posição na linha da frente deste combate, porque, como lembra Courtois, e temos muita tendência para ignorar, os jogadores de futebol não são robôs. E estoiram. Pior: ninguém se admire que um dia destes muitos jogadores se vejam mais confrontados com problemas de saúde mental no exigente e competitivo universo do futebol!...
PS: «Quando perco fico com os neurónios meio avariados», disse Sérgio Conceição no início da semana. Perdendo nos Açores, não se confirmou a ideia. O treinador do FC Porto pareceu até com os neurónios todos no sítio certo, e sem qualquer avaria, ao reconhecer grande mérito do Santa Clara na vitória que afastou os dragões das meias-finais da Taça da Liga. Já em Guimarães, num bom espetáculo, o melhor Vitória foi melhor que o melhor Benfica. E o pior Benfica foi mau de mais!