Obviamente, admito-o!

OPINIÃO18.07.202004:00

Quando, pouco tempo antes das eleições presidenciais de 1958, um jornalista se atreveu a perguntar ao general Humberto Delgado qual seria a sua decisão, no que respeitava à continuidade do dr. Oliveira Salazar, caso fosse eleito Presidente da República, o general, naquele seu estilo direto e pragmático, anunciou, para escândalo público de um país amordaçado: «Obviamente, demito-o!» Nem sempre são fáceis as decisões para quem tem a obrigação institucional ou funcional de decidir, mas pior do que uma má decisão é uma não decisão, é protelar o problema até a dúvida apodrecer tudo e todos.

Julgo que a dúvida de Luís Filipe Vieira, não era a de saber se, de facto, queria ou não queria voltar a ter Jorge Jesus como treinador do Benfica. A dúvida era, apenas, estratégica. Em primeiro lugar, por saber que a sua escolha não é consensual, nem entre os sócios, nem entre os adeptos, nem entre alguns dos seus pares de direção; por saber, também, que todos aqueles que tiverem memória - e não é preciso ser de elefante - se lembrarão de incoerências significativas; por saber, ainda, que Jorge Jesus irá regressar mais forte e mais triunfante do que nunca e que ele, Luís Filipe Vieira, o receberá como um presidente mais fragilizado e um cidadão acossado. Em segundo lugar, porque um timing de negociação onde se torna tão evidente qual das partes precisa mais do acordo, coloca o contratante à mercê das vontades do contratado.

Portanto, esta seria a pior altura, de sempre, para Vieira contratar Jorge Jesus. Não fosse um pormenor essencial que tem mais peso do que todos os argumentos que contrariavam a tese do regresso: Vieira precisa de ter confiança no treinador que o ajudará a realinhar o Benfica com exibições e vitórias, com o homem que considera capaz de corrigir um histórico recente de recuperação do FC Porto, com o homem que o deverá deixar a abrigo de surpresas constrangedoras nas próximas eleições presidenciais do Benfica. E, por isso, se alguém perguntar a Vieira o que pensa fazer com Jorge Jesus, caso a resposta fosse tão pragmática e direta como a do histórico general, certamente diria: obviamente, admito-o!


Perguntarão os adeptos do Benfica e outros interessados no fenómeno do futebol, se não haveria outro treinador do mundo e se a opção de contratar Jorge Jesus era a única que resolveria os problemas institucionais e existenciais de Luís Filipe Vieira. Certamente que sim, mas nem Vieira os conhece, nem tem em qualquer deles o mesmo nível de confiança pessoal e profissional. Com Jorge Jesus, Vieira sabe com o que pode contar. Foram e são amigos, e nunca deixaram de o ser, até mesmo nos momentos mais azedos da discussão pública e da zanga mais feia.

Alguns dirão que falta vergonha na cara, mas a vida, no futebol e na política, não é feita de divórcios para toda a vida, de afastamentos definitivos, ou de zangas irreconciliáveis. É sempre, talvez mais do que em outros setores da sociedade, o homem e a sua circunstância e, neste momento, a intuição de Vieira - algo em que o presidente do Benfica confia - diz-lhe que, atendendo às circunstâncias, Jesus é o Homem.  

E assim será, se o destino não pregar uma qualquer partida, de todo, a esta hora em que escrevo, absolutamente imprevisível.

É evidente que Vieira arrisca com esta escolha e que não se trata, como já se disse, de uma decisão que contentará gregos e troianos, mas também, da parte de Jorge Jesus, não será uma decisão isenta de riscos. A sua carreira estava em progressão internacional e volta a um percurso regional. Só não o afetará se surpreender em conquistas invulgares.