Obrigado, Luís Filipe Vieira!

OPINIÃO26.09.202004:00

DE uma forma geral todos sabem que são órgãos de soberania em Portugal o Presidente da República, a Assembleia da República, o Governo e os Tribunais. Destes interessam-nos hoje os Tribunais, porque são eles que estão em foco na Operação Lex. São eles e não Luís Filipe Vieira, actual presidente do Sport Lisboa e Benfica e candidato a novo mandato. Ele será o mais mediático dos arguidos, mas os actos alegadamente praticados são produto de uma arrogância que lhe advém da qualidade de presidente de uma instituição de utilidade pública com a grandeza do Benfica. Mas essa arrogância não é exclusiva dele, mas própria de outros dirigentes deste clube e de outros. É verdade que a arrogância resvala facilmente para a prática de actos ilegais, porquanto a arrogância tem subjacente, em certos e determinados casos, como aquele em que estamos focados, o sentimento da impunidade.


Mas, postas as coisas no devido plano, a atitude de Filipe Vieira não tem qualquer importância ou significado, não passando mesmo de arrogância, infelizmente inerente a quem exerce cargos para os quais não tem preparação nem humildade. Era o que faltava a Luís Filipe Vieira ter de esperar tantos anos para que lhe devolvessem um dinheiro a que tinha direito. Ele não é um cidadão como aos outros, que esperam anos para que lhes paguem o que lhes é devido, com consequências trágicas na sua vida pessoal e profissional. Ele não é um cidadão vulgar, que se possa confundir com a ralé que deve aos bancos a prestação da sua casa e que fica sem ela se não pagar. E felizes se devem sentir os juízes, porque a eles não lhes aperta o pescoço, limitando-se simpaticamente a convidá-los para a tribuna presidencial. Sim: ele não é um cidadão com cartão de cidadão e contribuinte normal; ele é o presidente do Sport Lisboa e Benfica até ao trânsito em julgado de qualquer sentença que o atinja. Entretanto, abalou a Justiça, e é por isso que lhe devemos estar gratos!


Na verdade, o que é verdadeiramente grave e importante neste caso da Operação Lex é que estão envolvidos os tribunais, constitucionalmente «os órgãos de soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo». E, conforme o número dois do artigo 202º da Constituição da República Portuguesa, «na administração da justiça incumbe aos tribunais assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos, reprimir a violação da legalidade democrática e dirimir os conflitos de interesses públicos e privados».


Ora, o que pensará o povo e o cidadão normal, quando são juízes que atacam os direitos e os interesses legalmente protegidos dos cidadãos? O que pensará o povo e o cidadão normal quando são magistrados que violam a legalidade democrática? Há quem pense que este foi um caso isolado e há quem pense e pergunte, como o brasileiro: «Cadê os outros?»


Nas primeiras representações que se conhecem da Justiça, a deusa da Justiça surgia de rosto descoberto, sem venda nos olhos, como querendo pôr em evidência a necessidade de ter os olhos bem abertos e observar tudo o que seja relevante para a justa aplicação da Lei. Só mais tarde a figura da deusa se apresenta de olhos vendados, querendo significar que a justiça não é cega, mas que trata todos com igualdade. Não vê a quem aplica a lei, porque a lei é igual para todos!
Que fez então Vieira para que mereça o meu agradecimento?
Enquanto figura mediática, mostrou ao povo como se tira a venda dos olhos da Justiça e como o povo deve ter os olhos bem abertos e observar tudo o que seja relevante para a justa aplicação da Lei!
Obrigado, Vieira! Em tempo de usar máscara para nos protegermos fisicamente do vírus, há quem deixe cair a máscara moral!...
Cristianoa presidente

Cumprir e fazer cumprir a lei é cada vez mais difícil. Nem vale a pena falar em estatutos, ainda que estes sejam considerados - e bem - as constituições das associações, sociedades e outras instituições!
O artigo 27º dos Estatutos do Sporting Clube de Portugal, publicados no site oficial deste, da responsabilidade do Conselho Directivo, reza assim:
Artigo 27°


(Distinções Nominativas)


Em locais adequados no Estádio José Alvalade, ou noutras instalações do Clube, podem ser inscritos os nomes das figuras representativas do Clube que, por serviços distintos, sejam merecedoras de tal consideração, aprovada em Assembleia Geral.


Os sócios do Sporting Clube de Portugal destacaram nos estatutos, aprovados em Assembleia Geral com maioria qualificada, a figura de José Alvalade: «Em homenagem ao fundador do SPORTING CLUBE DE PORTUGAL, o principal campo de jogos designa-se Estádio José Alvalade»; os sócios do Sporting Clube de Portugal destacaram nos estatutos, aprovados em Assembleia Geral com maioria qualificada, a figura de Francisco Stromp: «Não é passível de atribuição o número três de sócio, que se manterá sempre referido à memória de Francisco Stromp»; os sócios do Sporting Clube de Portugal destacaram a figura de João Rocha, aprovando, julgo que por unanimidade, a atribuição do seu nome ao pavilhão.


Bastam estes três exemplos - e não me lembro de outros, no que toca a destaques estatutários e/ou em instalações - para perguntar qual é a necessidade de, ao mesmo tempo, desrespeitar estatutos e desprestigiar Cristiano Ronaldo?!


Na verdade, também eu pergunto, porque é que Cristiano Ronaldo não tem o direito de ver a consideração que merece - e merece mesmo - ser votada em Assembleia Geral? Será para um futuro Conselho Directivo poder decidir da retirada do seu nome da Academia? Fala-se em imortalizar e fica na mão do CD a arma para o matar! A ânsia de fazer qualquer coisa para distrair as pessoas de assuntos importantes é tal, que, em vez de homenagear sinceramente Cristiano Ronaldo, se diminui a sua figura!


E é esta a polémica, e não o mérito ou a justiça da atribuição do nome do maior jogador do mundo da actualidade, e um dos maiores de todos os tempos! Todos estamos de acordo com essa homenagem, que só pode pecar por tardia, pois releva a importância da formação do Sporting e espalha o seu nome ainda mais por todo o universo.


E não se diga, como Paulo Futre disse, que se trata de uma polémica dos senhores de gravata, porque ele sabe, melhor do que ninguém, que certos jogadores da formação do Sporting não são consensuais. Como ele sabe, eu uso gravata umas vezes e outras não. Estatutos são para cumprir, por todos: com ou sem gravata! E como ele sabe, quando o fui buscar a Madrid para o fazer regressar a Portugal e ao Sporting fui muito criticado por muitos que usam gravata e por imensos que não a usam. Muita gente me disse que me ia fazer perder muitos votos. Pouco me importou isso, porque prefiro defender princípios e não os trocar por oportunismos, designadamente, votos! Trair pessoas e princípios é que não faço!


Não preciso de argumentar sobre o mérito de Ronaldo para baptizar com o seu nome a Academia, até porque vejo em Ronaldo uma pessoa essencial para um futuro do Sporting, ora tão nublado. Prevejo e desejo muito mais para o Cristiano Ronaldo no Sporting.


Aliás, no meio desta polémica, lembrei-me de um extraordinário poema de Florbela Espanca - Ambiciosa - que termina assim:

O amor dum homem? - Terra tão pisada!
Gota de chuva ao vento baloiçada...
Um homem? - Quando eu sonho um amor dum deus!

E pensei, para comigo:

O nome de Cristiano na Academia?
Tanta polémica não merecia...
Um nome? - Quando eu sonho um presidente!