O velhinho benefício da dúvida

OPINIÃO16.11.202105:55

O trabalho dos árbitros já é muito difícil e está cada vez mais exposto

EM tempos abordei este assunto, mas agora que a desilusão chamada seleção começa a diluir e as competições internas preparam-se para recomeçar, nunca é demais voltar a ele. O benefício da dúvida é chavão velhinho, mas continua a ser repescado no presente, o que me parece um bom princípio.  É que não me parece nada justo catalogar alguém como culpado do que quer que seja sem que tenha havido uma culpa formalmente atribuída. Sem provas irrefutáveis de que há culpa efetiva. Esta presunção (a da inocência) vale para todas as pessoas de todas as áreas. Vale para qualquer tipo de envolvimento em qualquer tipo de atividade. Devia (deve e tem de) ser assim por cá e em qualquer outro estado de direito democrático. Infelizmente, o nosso futebol tem sido terreno fértil para nos lembrarmos frequentemente deste cliché. Não faltam insinuações, alegações, suspensões, buscas, detenções e até acusações para tirar crença à transparência de alguns processos e conduta de algumas pessoas, mas também a esses, também a essas, deve ser aplicada idêntica filosofia. O julgamento popular já faz mossa que chegue. Que pelo menos o juízo a sério, em modo e lugar próprios, reponha justiça e verdade.
Mas se o in dubio pro reo tem de ser o pensamento vigente a tudo o que acontece fora das quatro linhas, lá dentro deve ser ainda mais. Tomemos por exemplo o que (não) acontece ao trabalho das equipas de arbitragem: quando um árbitro toma uma decisão difícil num lance chato, raramente lhe é concedido o benefício da dúvida. Já repararam? À exceção de alguns especialistas e  meia dúzia de alminhas mais racionais, a maioria das pessoas (e dos profissionais da área) tende a atacar a opção e, não raras vezes, a destratar o decisor. Porquê? É que a esmagadora maioria das análises baseiam-se, de facto, em pressupostos muito subjetivos. Ora se a jogada em si não é factual, se a sua leitura é especulativa e pode dar azo a várias opiniões, como se pode exigir que a decisão final seja absolutamente consensual? Como é que se pode exigir acerto se qualquer opção tomada em campo vai sempre gerar ruído, controvérsia ou crítica? Se é assim, se quase nada do jogo é preto no branco, se qualquer decisão será eternamente alvo de discussão, porque é que nesses casos não se concede aos árbitros o tal benefício da dúvida? Porque é que não se aceita a sua análise como boa em momentos cinzentos, em lances pouco claros? Penso que seria importante que tivéssemos essa capacidade.
O trabalho dos árbitros já é muito difícil (acreditem em mim) e está cada vez mais exposto. Como se não bastasse, ainda têm que lidar com a hostilidade ruidosa dos adeptos, com a desconfiança permanente de alguns dirigentes, treinadores e jogadores, com a lupa dos comentadores e com um escrutínio cada vez mais patológico e milimétrico. Não acham que isso já é pressão suficiente? Se qualquer decisão que tomem será sempre censurada, não vos parece justo que tenham ao menos o direito de ver a sua análise técnica respeitada com elevação e desportivismo? Isso não contribuirá para que tenham mais paz, logo melhores condições para desempenhar melhor a sua missão? E isso não fará dos agentes desportivos e de quem está cá fora pessoas mais educadas? Não contribuirá para ambiente menos hostil, menos brigão e confuso? Do que vivi lá dentro e do que sinto agora cá fora, acho sinceramente que sim. Mas isso sou eu.
E vocês? Já pensaram nisso? É para um amigo.