O último mandato
Luís Filipe Vieira, 71 anos, está a menos de um mês de cumprir 17 anos como presidente do Benfica e anunciou a sua recandidatura ao que afirma ser o seu último mandato.
Não duvido da intenção, mas o futebol não permite certezas tão definitivas e, sobretudo, tão distantes. Basta lembrar a quantidade invulgar de «últimos mandatos» cumpridos por Pinto da Costa no FC Porto que, sempre por anunciadas razões excecionais, acabaram por ser prorrogados até ao mandato que agora cumpre e que volta a garantir ser o último.
Vieira garante que é tempo de viver o lado solar de uma vida bem-sucedida. Ver crescer os netos, jogar às cartas e ao dominó, passear pela praia, ter as férias que nunca teve. É o lado apetecível do sonho. O outro, mais complexo e bem menos sedutor, é o de ter a coragem de desistir de um poder de âmbito nacional, de um estatuto especial de um dos homens com maior influência no país, apesar de, tal como ele próprio lembra, até com orgulho, só ter a quarta classe, e, não menos marcante, de passar a uma vida anónima, que é coisa que as sociedades do pós-modernidade não aceitam, nem perdoam.
Se reeleito, como provavelmente acontecerá, Vieira chegará aos 20 anos como presidente do maior clube português. Não serão 20 anos de vulgaridade de gestão e de mero serviço cumprido. Pelo contrário, Vieira deixa obra e uma consolidação de grandeza institucional do Benfica que, no entanto, não terá tido a mesma representatividade no plano desportivo, em especial do ponto de vista internacional. Falhou, concretamente, a reconquista do prestígio europeu.
O próprio presidente do Benfica tem essa noção. Faltou-lhe cumprir o poder desportivo que ambicionava e por isso mesmo anuncia que será nesse ponto que fará convergir a prioridade do último mandato.
Outro aspeto particularmente curioso do seu programa de recandidatura diz respeito a uma anunciada preparação para a sucessão na presidência do Benfica. Ou seja, Vieira admite abandonar o poder no final do próximo mandato, mas sob a condição de uma continuidade programática.
Há aqui, como, de resto, no FC Porto com Pinto da Costa, mais do que uma ideia republicana de presidência, um conceito de dinastia monárquica que é preciso garantir ou deixar garantido. O que coloca o povo no lugar que não raras vezes tem tido de, mesmo sem dar por isso, se limitar à aprovação das cortes.
O caso parece tão óbvio e natural que Vieira fala dele sem cerimónia, como se se tratasse de um património institucional conquistado, admitindo-se, até, que reserve para si próprio um lugar de presidente honorífico que lhe permitiria uma certa condição e estatuto. Fora de hipótese, pelo que se percebe, uma sucessão hostil, um género de OPA presidencialista que viesse pôr em causa vinte anos de um governo «do povo para o povo» benfiquista.
Dito isto, regressemos à questão de fundo. A afirmação de que este será o último mandato, está longe de poder ser considerada definitiva. Vieira não sairia do Benfica num quadro de insucesso, não entregaria o poder num ambiente de sucessão hostil, não admitiria fechar a porta do seu gabinete sob um coro de críticas e de insatisfação geral. Mas poderia sair, sim, num cenário de sucesso e de enquadramento histórico favorável. Ou seja, como sempre acontece no futebol, o futuro depende da bola. Se entra, ou se não entra.